Morte por ouro derretido

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No filme Goldfinger de James Bond, há uma cena em que o vilão excêntrico mata uma mocinha de uma maneira digna de vilões de James Bond. Ele pinta todo o corpo da pobre donzela com ouro, e ela morre por… asfixia! Isso porque, oras, você devia saber, nós também respiramos pela pele. Dançarinas profissionais que costumam pintar o corpo costumam deixar uma parte na base da espinha sem pintura justamente para evitar a asfixia.

É uma fabulosa lenda, mas é apenas uma lenda, isto é, é falsa, não é verdade. Respirando normalmente pelo nariz, você não deve morrer asfixiado, por mais que feche todos os poros de sua pele com ouro ou outras formas um tanto menos caras. O principal problema com que pode se deparar é que a tinta sim impedirá a transpiração. Você não irá suar e a regulação de temperatura corporal não funcionará corretamente. Se você poderá morrer por causa disso é outro assunto, os Mythbusters, ou Caçadores de Mitos, dedicaram-se ao tema várias vezes, sempre interrompendo os testes após alguns minutos.

Se a morte pela pintura do corpo com ouro é um tema incerto, a execução através do derramamento de grandes quantidades de ouro derretido garganta abaixo é muito certa. No fim do século 16, um governador espanhol no Equador colonial foi morto por membros da tribo Jívaro – mais conhecidos por criar miniaturas de cabeças – exatamente desta forma. Como os pesquisadores holandeses Goot, Berge e Vos notam, despejar metais derretidos goela abaixo das vítimas era em verdade uma prática levada a cabo nos dois lados do Atlântico, dos Romanos a, ironicamente, a Inquisição Espanhola.

“Várias fontes mencionam a explosão de órgãos internos. A questão permanece se este é realmente o caso e qual seria a causa da morte”, escrevem os pesquisadores. “Para investigar isto, obtivemos uma laringe bovina de um matadouro local. Depois de fixar a laringe em posição horizontal a um pedaço de madeira e fechar o fim distal com papel higiênico, 750 g de chumbo puro (ao redor de 450 graus) foi aquecido e despejado na laringe”.

São métodos curiosamente similares aos praticados pelos Mythbusters (ou vice-versa). Afinal, as infelizes vítimas acabam mesmo explodindo? Fique conosco para que Adam e Jamie, digo, Goot, Berge e Vos contem os resultados na continuação. Não se preocupe, não há nenhuma imagem chocante.

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Acima, laringe bovina preenchida com chumbo derretido

“Imediatamente grandes quantidades de vapor apareceram em ambas as extremidades do espécime, e o bolo de papel higiênico foi expelido com força pelo vapor. Em 10 segundos, o chumbo havia se solidificado, preenchendo completamente a laringe”.

Com base nestas observações, os cientistas sugerem que:

“O desenvolvimento de vapor com pressão montante deve resultar em dano induzido tanto pelo calor como por força mecânica aos órgãos distais, levando possivelmente ao inchaço e ruptura destes órgãos. Lesões termais diretas aos pulmões podem levar à morte instantânea, como resultado de uma disfunção pulmonária aguda. Ainda que este não seja o caso, o desenvolvimento de um ‘molde’ quando o metal se solidifica novamente bloquearia completamente as vias aéreas, sufocando assim a vítima”.

A palavra-chave “full of win” deveria fazer parte do trabalho publicado em 2003 no Journal of Clinical Pathology. Sim, este é um post do Research Blogging. O título talvez já seja suficientemente fenomenal: “Ouro derretido foi jogado goela abaixo até que seus intestinos explodiram”. [via NCBI ROFL, por dica do Atila!]

– – –

  • van de Goot FR, Ten Berge RL, & Vos R (2003). Molten gold was poured down his throat until his bowels burst. Journal of clinical pathology, 56 (2) PMID: 12560401

Discussão - 9 comentários

  1. Joey Salgado disse:

    Cara, o ser humano é muito criativo quando se trata de matar outro ser humano!
    Ótimo texto, inté!

  2. Ila Fox disse:

    Nossa, como aqueles carinhas que ficam no centro se fazendo de estátua, pintados de branco ou dourado, conseguem ficar assim então? os caras devem derreter naquele sol!

  3. Kentaro Mori disse:

    Eles devem suar bicas nas partes não pintadas... alguém tem coragem de perguntar? 🙂

  4. Patola (o chato) disse:

    Opa, pra explicar um uso que infelizmente não é mesmo muito intuitivo:
    Quando você usa o pronome cujo, ele suprime os artigos:
    "Ele foi morto por ladrões cujos adereços eram de ouro."
    Mas com ambos é o contrário, ele exige artigos para determinar o núcleo nominal:
    "Imediatamente grandes quantidades de vapor apareceram em ambas as extremidades do espécime."
    O artigo aqui não é opcional e deve ser usado, pois ele determinas as tais "extremidades".

  5. Mark disse:

    E poe criatividade nisso, @Joey.

  6. Kentaro Mori disse:

    Corrigido... não é chato não, é colaborador 🙂

  7. Sibele disse:

    Incrível como a criatividade humana prestou-se a cometer insólitos atos de tortura!
    Só uma coisa, Kentaro: se este post é Research Blogging, cadê a medaglia???

  8. Kentaro Mori disse:

    POis é... e ops, esqueci de colocar a medaglia... mas é RB! 🙂

  9. José Carlos disse:

    O rei do Ponto, Mitrídates VI, quando capturou o general romano Mânio Aqüílio, matou-o (88 aC) derramando-lhe ouro derretido pela garganta. Era um modo irônico de acentuar a corrupção da administração romana. Dando a palavra a Apiano:
    "Logo depois, [Mitrídates] capturou Mânio Aqüílio, um dos legados consulares (...) exibiu-o montado num burro, obrigou-o a comportar-se como se fosse um bobo e, por fim, em Pérgamo, matou-o derramando-lhe na garganta ouro derretido, como a condenar os romanos por sua corrupção". (Apiano de Alexandria, "Guerras Mitridáticas", parágrafo 21, início)

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