Nanomáquinas: ficção científica ou realidade?
O problema nem é tanto construir a estrutura em si, mas fazê-la andar de forma autônoma. Isso exige que um combustível seja convertido em energia mecânica para que a máquina possa realizar trabalho. O combustível das nossas células é uma molécula chamada trifosfato de adenosina (ou ATP, na sigla em inglês). A quebra de uma das ligações fosfato no ATP libera energia química. Essa energia química é utilizada, por exemplo, para contrair os nossos músculos, movimentar os flagelos de bactérias e espermatozóides e até realizar sinapses no cérebro (é daí que vem a expressão queimar fosfato, usada quando “pensamos muito”). A idéia do ATP como combustível inspirou pesquisadores da Pennsylvania State University, que desenvolveram nanomotores simples capazes de converter energia química – estocada em moléculas que atuam como “combustíveis” – em energia mecânica que gera movimento.
De forma resumida, eles construíram um cilindro feito de platina e outro, com dimensões de 2 micrômetros de altura por 370 nanometros de largura. Os cilindros usados eram assimétricos, ou seja, uma metade era composta por platina e a outra metade era de ouro. Os cilindros foram colocados em um tanque com água e peróxido de hidrogênio (ou água oxigenada, para os íntimos) e aí uma reação interessante aconteceu: na ponta do cilindro composta por platina, cada molécula de peróxido de hidrogênio foi quebrada em 1 molécula de oxigênio, 2 elétrons e 2 prótons; na outra ponta composta por ouro, os elétrons e prótons (que se moveram do lado platina para o lado ouro) se combinaram com uma molécula de peróxido de hidrogênio para formar 2 moléculas de água.
O oxigênio formado no lado de platina interrompeu a rede de ligações de hidrogênio da água, reduzindo sua tensão interfacial líquido-vapor. Como o oxigênio foi gerado apenas em um dos lados do cilindro, um gradiente de tensão interfacial foi criado , gerando uma turbulência na água que estava ao redor do cilindro (ou seja, a diferença de tensão interfacial entre a água ao redor de uma ponta e da outra do cilindro fez com que a água fluísse de um lado para o outro). O fluxo da água foi empurrando o cilindro – no fim das contas, a energia química liberada na quebra do peróxido de hidrogênio em oxigênio, prótons e elétrons foi a fonte energética da propulsão dessa nanomáquina. Conforme o cilindro se movia, o gradiente era continuamente restabelecido porque mais oxigênio era continuamente formado a partir de novas moléculas de peróxido de hidrogênio – e a cada geração de oxigênio, o cilindro era empurrado mais um pouco. É claro que o movimento resultante foi aleatório, mas o estudo já é um ponto de partida interessante para desenvolvermos nanomáquinas capazes de movimento autônomo para finalidades específicas. No futuro, a molécula usada como “combustível” provavelmente não será peróxido de hidrogênio, se pensarmos em aplicações biológicas – mas a glicose pode muito bem ser utilizada, tal qual já é pelas nossas células. Quanto à não-aleatoriedade do movimento, o próprio grupo vem estudando alternativas, como o uso do magnetismo.
Paxton, W., Kistler, K., Olmeda, C., Sen, A., St. Angelo, S., Cao, Y., Mallouk, T., Lammert, P., & Crespi, V. (2004). Catalytic Nanomotors: Autonomous Movement of Striped Nanorods Journal of the American Chemical Society, 126 (41), 13424-13431 DOI: 10.1021/ja047697z
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