Entrevista com Marlene Zuk

Em comemoração ao primeiro aniversário do Ciência à Bessa, estou enviando a segunda entrevista deste blog. Uma personalidade muito interessante que conheci no ABS Meeting foi a Prof. Marlene Zuk. Ela trabalha na Universidade da Califórnia em Riverside e tem projetos de pesquisa voltados para seleção sexual em diversas espécies de animais. Marlene Zuk concedeu uma entrevista exclusiva para o Ciência à Bessa que eu transcrevo e traduzo abaixo.

marlene zuk

Putz, não acredito que eu pisquei bem na hora!Fonte: ntnews.com.au

Eduardo Bessa – Charles Darwin levou 30 anos para publicar a Origem das espécies por receio da igreja anglicana. Talvez o mesmo tivesse ocorrido com a seleção sexual se na época o pensamento feminista fosse tão forte quanto a igreja ou tão forte quanto ele é hoje?

Marlene Zuk- De forma alguma, Charles Darwin já havia proposto as bases da seleção sexual na origem das espécies, ele apenas achou que a idéia merecia mais atenção e por isso dedicou-lhe metade de um novo livro que foi a evolução humana e a seleção sexual. O ambiente cultural da época vitoriana com certeza era machista, mas neste sentido a seleção sexual atacava os valores vitorianos tanto quanto a origem das espécies à medida que apresentava situações diferentes do papel sexual geral. Veja só, elefantes marinhos são o modelo de macho que os vitorianos defenderiam, mas ele não é o único exemplo citado por Darwin. Ele menciona machos muito mais delicados, como os cavalos marinhos, estes sim o avesso da sociedade vitoriana. 

Eduardo Bessa – Em seu livro sobre seleção sexual você fala que o olhar humano pode introduzir um antropomorfismo à medida que tentamos compreender o comportamento animal em função do nosso próprio comportamento. Quanto do que fizemos até hoje sobre comportamento animal foi fatalmente afetado por isso e quanto do que produzimos pode ser salvo?

Marlene Zuk – Sou otimista neste sentido, é claro que vieses e antropomorfismos podem ocorrer e ocorrem com certa frequência, mas devemos constantemente nos policiar e acho que a pesquisa em comportamento animal de boa qualidade em geral tem conseguido este objetivo. O problema é não tratar determinadas coisas que vemos na natureza com nossos valores, uma ave fêmea que esteja realizando uma cópula com um parceiro diferente de seu par social não o está traindo. Quem disse que em algum momento eles fizeram um pacto de fidelidade? Problemas humanos são problemas humanos, podemos até usar o comportamento animal para compreender o nosso, mas nunca usar nosso comportamento para descrever o dos animais. Não vale a pena discutir o que é ou não natural.

Fonte: oglobo.com.br Eduardo Bessa – Falando em ser ou não natural, você esteve recentemente em São Paulo e também publicou uma extensa revisão sobre comportamento homossexual em animais mais ou menos na mesma época da parada gay de São Paulo. A homossexualidade é natural?

Marlene Zuk – [Risos] Exatamente, esse é o tipo de abordagem que não vale a pena fazer. As pessoas procuram este tipo de pesquisa como que para terem autorização para assumir sua sexualidade. Não é isso que ela busca! A pesquisa sobre o comportamento sexual nos animais foi uma forma de demonstrar a diversidade de comportamentos existentes e que nós, erradamente, tentamos enquadrar numa mesma categoria da homossexualidade. Ignorar essa variação é jogar pela janela uma riqueza de dados enorme. Aquilo que chamamos homossexualidade em uma mosca da fruta tem bases e significados completamente diversos do que chamamos homossexualidade em gansos que é absolutamente diferente do que chamamos homossexualidade em bonobos. Para estes últimos o sexo tem um papel social muito maior do que qualquer outra coisa.

Eduardo Bessa – Para terminar. Seu laboratório trabalha hoje com uma grande diversidade de modelos, principalmente aves e insetos. Por que todos estes modelos? A final de contas, os animais nos trabalhos de comportamento são apenas material e métodos?

MZ- Mais ou menos. Em todo curso de comportamento animal ensinamos aos alunos o quanto eles devem primeiro escolher sua pergunta e só então o modelo que irão utilizar para respondê-la. Isso talvez fosse o ideal, aí certamente o animal seria material e métodos, mas não funciona bem assim. Sempre teremos nossas predileções e gostos. Eu por exemplo adoro a liberdade de poder tratar paralelamente um organismo em campo e laboratório, isso se torna muito difícil com vertebrados grandes, mas manter insetos em cativeiro é muito mais comum, por isso invisto tanto nos modelos de insetos. Aves também me fascinam.

Discussão - 6 comentários

  1. Ana Arnt disse:

    Liiiinda...
    adorei a entrevista!
    bjo

  2. Excelente conversa! sobre a questão do homossexualismo ser natural ou nao, acredito que para algo ser natural, deve acontecer fora da sociedade humana (nesses casos), mas como dignissima Marlene Zuk disse, há de se ter cuidado em nao antropomorfizar o resto da natura...
    abraços

  3. Ola Eduardo, gostaria de saber seu email para contato.
    muito obrigado.

  4. Marão disse:

    Muito interessante este papo entre duas pessoas inteligentes, tratado sem fornteiras e estigmas humanos. Tem razão a douta entrevistada ao alegar um despropósito observar o homosexualismo animal sob a ótica humana. Permito-me discordar de Zuk quando alega, que "podemos até usar o comportamento animal para compreender o nosso". Não dá para comparar. Estamos longe de explicações plausíveis para o fato. A recíproca não é verdadeira, também não podemos usar o comportamento animal, neste caso, para explicar o homossexualismo humano. Acho que nem Freud explica...Gostaria de ver o comentário de Mr. Byngho sobre o assunto.

  5. Mr. Byngho disse:

    O homem se assusta com o desconhecido e assim busca, incessantemente, entender o que lhe causa estranheza. No que se refere a sexualidade, Freud contribuiu com a visão psicossexual do homem. E provocou a sociedade quando afirmou a bissexualidade. Ora, ele estava apenas defendendo a orientação da libido da criança se dirigir tanto ao pai quanto à mãe, independente do sexo. Como podemos observar, o clube da Luluzinha e do Bolinha ocorre ao longo da vida. Portanto, o amor não tem sexo, mas afinidades.
    E se o instinto fala mais alto para os animais, os homens buscam o prazer - polimorfo. O comportamento sexual está em todos os “cantos” e nos campos. E como voyeurs, abrimos nossos olhos como o grande “Big Brother” para não perdermos nada. Será que algum dia vamos deixar de dar uma espiadinha no outro? Aqui Freud talvez explique: a nossa perversão não deixa!

  6. […] não é exclusividade dos humanos e dos jabutis. Num artigo de 2009, Nathan Bailey e Marlene Zuk (que entrevistei logo que esse artigo saiu) listaram uma série de espécies e contextos em que o comportamento homossexual ocorre. São […]

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