Um animal é uma tábula rasa cujo comportamento só reflete seu aprendizado?

No último post falamos sobre como animais são capazes de modular seu comportamento de acordo com o ambiente. Ele pode ter deixado a impressão de que o instinto é uma ficção, que animais aprendem a desempenhar toda a gama de seus comportamentos durante a vida. Isso é tão errado quanto considerá-los autômatos.

O termo “Tábula rasa” refere-se ao método de escrita no Império Romano. Os romanos usavam uma bandeja preenchida com cera para riscar com algum objeto pontiagudo, para apagar bastava raspar a bandeja. Tábula rasa sigifica bandeja raspada. Assim como os partidários do animal autômato acreditam que todo comportamento é uma linha de comando inata, os partidários do animal tábula rasa acreditam que nada vem pré-escrito nele, o instinto não existe, tudo é fruto do aprendizado.

Bugios tentam, mas o comportamento de voar não lhes pertence. Fonte: panoramio.com

Bugios tentam, mas o comportamento de voar não lhes pertence. Fonte: panoramio.com

Recorramos a um reductio ad absurdum só para iniciar a argumentação. Comportamentos são limitados por diversos fatores, entre eles a anatomia de um animal. Numa tábula rasa podemos escrever qualquer coisa, num animal limitado por sua anatomia as possibilidades são finitas, uma tábula rasa de margens bem estreitas. Por mais interessante que voar pareça a um Bugio, sua anatomia não lhe permitiria exercer esse comportamento, não importa quanta punição, reforço ou aulas de voo lhe fossem impostos.

As coisas não precisam ser tão extremas. Compartilham comigo o laboratório de Zoologia da Unemat diversos pesquisadores do Controle Biológico de pragas agrícolas. Sempre vejo nas culturas deles lagartas de mariposas que, recém saídas do ovo rastejam até uma tenra folha de soja e começam a devorá-la. Similarmente, microscópicas vespinhas eclodem de outras lagartas saindo pela primeira vez ao mundo exterior e em pouco tempo estão copulando e ovopositando em outras lagartas sem nunca terem visto adultos fazerem isso. Onde está o aprendizado aí? Os partidários da tábula rasa têm respostas muito criativas, mas pouco resistentes à parcimônia.

Seymour Benzer: Genes que transcrevem proteínas que alteram comportamentos, sim. Por que não? Fonte: plosbiology.org
Seymour Benzer: Genes que transcrevem proteínas que alteram comportamentos, sim. Por que não? Fonte: plosbiology.org

A genética do comportamento ainda é uma ciência jovem, mas o instinto já pode ser dissecado até o grau simples de um gene para um comportamento em alguns raros casos. O pioneiro nesse ramo foi Seymour Benzer, que descreveu um mutante de mosca da fruta que evita a luz (esses animais na fase adulta buscam a luz), outro cujo período de atividade não coincidia com a fase escura do dia. Hoje são conhecidos genes ligados a compulsão em ratos, depressão (ou algo semelhante a isso) em peixes, fidelidade numa espécie de roedor norte americano e até à incapacidade de distinguir machos e fêmeas na hora da corte em camundongos. Existe sim algo inato aos animais que podemos chamar de instinto.

Ok, então o instinto existe, mas não é absoluto e o aprendizado afeta o comportamento, contudo não pode ser responsável por todo ele. Como então é determinado o comportamento animal? Exploraremos esse assunto no próximo texto.