“Por dentro da ciência” do Instituto Americano de Física (25/10/09)

Relatório Põe os EUA em uma Encruzilhada com Relação ao Voo Espacial Tripulado

A questão subjacente do relatório e das discussões sobre destinos e custos é básica: Por que mandar pessoas ao espaço?

25 de outubro de 2009
Por Jim Dawson
Inside Science News Service
 
WASHINGTON
(ISNS) — Quando Norman Augustine apresentou o relatório de 154 páginas da Comissão de Revisão do Programa de Voos Espaciais Tripulados na quinta-feira, o presidente da comissão não deixou qualquer dúvida quanto ao fato de que o programa da NASA está com problemas.

 
“O programa de voos espaciais tripulados dos EUA parecem estar em uma trajetória insustentável. Ele está perpetuando a perigosa prática de perseguir metas que não se adequam aos recursos disponíveis”, declaram secamente as primeiras frases do relatório.
 
Augustine, o antigo CEO da Lockheed Martin que conduziu um estudo memorável em 1990 sobre o futuro do programa espacial americano, foi igualmente franco durante as audiências do Congresso, depois que o comitê divulgou uma sinopse do relatório em setembro. “O programa atual que estão tentando implementar, não é executável”, disse ele aos membros do Comitê de Ciência e Tecnologia do Congresso. “Existe uma defasagem entre a tarefa a ser realizada e as verbas para realizá-la”.
 
A conclusão básica do relatório é que o atual programa de voos tripulados – direcionados a retornar à Lua na metade da década de 2020 e, daí, prosseguir para Marte – não terá sucesso sem verbas adicionais de US$ 3 bilhões anualmente. Augustine observou, durante seu depoimento, que, se a NASA prosseguir no caminho atual, estabelecido pela administração anterior em 2004, eventualmente vai “cair de um precipício” devido à falta de verbas.
 
O relatório questiona se o atual programa “Constellation” está com o foco adequado, mas também observa que, não importa qual a opção for selecionada pelo governo para ir além da órbita-baixa da Terra, a NASA precisará de cerca de US$ 30 bilhões em verbas adicionais na próxima década para obter voo tripulado com sucesso.

 O programa de voos tripulados da NASA está em uma encruzilhada. Quase quatro décadas após os últimos astronautas decolarem da superfície da Lua, o programa espacial americano ficou empacado na órbita-baixa da Terra. Muito se aprendeu acerca de construir coisas no espaço, mas pouca ciência significativa ou exploração verdadeira foram realizadas por astronautas.
 
A sombria avaliação do atual programa não foi bem recebida pela congressista (Rep) Gabrielle Giffords, de Nevada, que presenciou o depoimento de Augustine em setembro. “Eu estou zangada”, Giffords disse a ele na ocasião. Giffords — a única congressista casada com um astronauta — declarou que o relatório não só deixou de apresentar um caminho para “assegurar um programa de voos tripulados robusto e significativo”, como também perdeu terreno por causa de sua avaliação negativa do atual programa.
 
O relatório completo, apresentado na quinta-feira, pouco serviu para aplacar Giffords.
 
“Quando o Congresso redigiu e aprovou o orçamento para a NASA no ano passado, antecipou essencialmente todas as questões ruminadas pela comissão
Augustine neste verão”, declarou Giffords. “O Congresso já tomou sua decisão sobre as questões consideradas pela comissão. Todos sabemo que é necessário fazer, então vamos por mãos à obra e parar de contemplar nossos umbigos coletivos”.
 
Porém os 10 membros da comissão Augustine observam que ir em frente não é tão simples. O programa “Constellation” prevê que pessoas voltem à Lua e estabeleçam lá uma base, antes de seguir para Marte. Segundo esse plano, os ônibus espaciais serão aposentados em 2010 e a Estação Espacial Internacional (ISS) será tirada de órbita em 2016, caindo no Oceano Pacífico. O foguete Ares I está sendo desenvolvido para transportar a nova espaçonave Orion para dar apoio à ISS, depois que o programa de ônibus espacial for terminado, entretanto a má alocação de verbas e os atrasos no desenvolvimento provavelmente significarão que o Ares I não estará pronto para o lançamento até bem depois do previsto para o desarmamento da estação espacial.
 
Embora o relatório final não faça recomendações específicas,
Augustine observa que o Ares I não é necessário e que os esforços deveriam ser redirecionados para um foguete pesado de lançamento que se adequasse mais aos planos da NASA de missões de longo alcance. Esse foguete Ares V, maior, faria o que os velhos foguetes Saturno fizeram durante a era Apollo: levar pessoas à Lua. Se o problema das verbas for solucionado e as pessoas estabelecerem uma presença na superfície lunar, então a NASA passaria a olhar adiante, na direção de Marte – o que o relatório acha factível.
 
Durante a conferência de imprensa da quinta-feira, Augustine continuou a insistir na opção flexível, proposta pela comissão, que requer uma pletora de missões empregando o foguete maior, Ares V. As pessoas poderiam ir a um asteróide próximo da Terra, orbitar Marte, pousar em uma das luas de Marte, ou mesmo visitar os Pontos Lagrangianos, regiões estáveis do espaço próximo onde a atração da gravidade da Terra, Lua e Sol se equilibram.
 
Augustine concorda com a maior parte dos advogados das missões tripuladas que acreditam que a principal meta é colocar pessoas em Marte, porém deixou claro que a comissão não acredita que estejamos tecnologicamente preparados para ir diretamente para lá.
 
O que o relatório deixa claro é que, para que as pessoas venham a explorar o Sistema Solar, são necessários bilhões de dólares a mais. Subjacente ao relatório da comissão e às discussões sobre destinos e custos, está a questão básica: por que enviar pessoas para o espaço?
 
Augustine concede o voo tripulado não pode ser justificado pela ciência, pela tecnologia, ou outros progressos diretos obtidos a partir do envio de pessoas para o vazio. Segundo ele, “é necessária uma motivação maior”, para justificar o programa.
 
Um estudo recente sobre os voos espaciais tripulados, realizado pelos experts em política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), lida precisamente com essa questão.
 
“A ciência nunca é a razão principal para enviar pessoas ao espaço; portanto, se vamos fazer isso, vamos fazê-lo por outras razões”, afirma David Mindell, o diretor do Grupo de Pesquisa sobre Espaço, Política e Sociedade do MIT em Cambridge, Mass. Mindell presidiu um estudo do MIT que auxiliou a definir objetivos que só podem ser alcançados através de voos espaciais tripulados, que incluem exploração, orgulho nacional e prestígio e liderança internacionais. Ciência, desenvolvimento econômico, novas tecnologias e educação, todos foram classificados como objetivos secundários pelo estudo do MIT. “Trata-se de um julgamento de valores”, declarou Mindell.
 
Augustine declarou repetidamente que, seja qual for o montante de verbas que o Congresso destinar ao programa de voo espacial tripulado da NASA, é importante criar uma firewall entre esse programa e os programas de ciências. Os cientistas tem se queixado repetidamente, ao longo dos anos, que a agência espacial desviou fundos das missões científicas não-tripuladas para cobrir as carências no programa de voo espacial tripulado.
 
Quanto à possibilidade da administração Obama e o Congresso extinguirem os voos tripulados, Mindell é cético:

— Eu não acredito que isso vá acontecer. Nenhum presidente tem interesse em acabar com isso. Temos que presumir que haverá um programa de voo espacial tripulado, portanto a questão é: “Qual é o programa certo?”

 
Augustine declarou que a Casa Branca recebeu o relatório e que a comissão estará disponível para discutí-lo. Segundo ele, “não vamos fazer lobby por coisa alguma”.
 
A administração declarou que vai revisar a análise da comissão, no entanto a decisão final será responsabilidade do presidente Obama decidir qual das opções sugeridas pela comissão – todas elas dispendiosas – será escolhida. 

Este texto é fornecido para a media pelo Inside Science News Service, que é apoiado pelo Instituto Americano de Física (American Institute of Physics), uma editora sem fins lucrativos de periódicos de ciência.
Contatos: InsideScience@aip.org.

Discussão - 2 comentários

  1. romulo disse:

    cifras modestas quando comparadas ao orçamento de guerra...

  2. João Carlos disse:

    Sem dúvida, Romulo!... Mas parece ser mais fácil convencer os contribuintes de que vale à pena gastar bilhões em guerras sem nexo. Neste contexto, faz todo o sentido a colocação do pessoal do MIT: apelar para o "orgulho nacional".
    A curto prazo, o voo espacial tripulado não faz mesmo sentido. É mais fácil, menos arriscado e até mais barato enviar sondas robóticas. Já a longo prazo...

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