Velhos Recordes


A maioria das pessoas, onde se incluem em especial as crianças, quer sempre saber quais foram os maiores, os mais rápidos, os mais ferozes, “os mais” qualquer coisa…
Falo obviamente dos ” mais ” entre os dinossáurios.
Obviamente estas questões merecem e têm merecido a atenção dos paleontólogos – tamanhos, pesos, velocidades atingidas, são exemplos de assuntos para os quais são necessárias respostas paleobiológicas.
Outro tipo de questão, importante, mas que não provoca o despertar de atenção do grande público é a questão da antiguidade relativa de um determinado grupo de dinossáurios.
Primeiro será útil responder a como se atribuem idades a um determinado grupo de dinossáurios.
Essencialmente a ferramenta geológica a que os paleontólogos recorrem é a Estratigrafia e a um dos seus Princípios básicos – Princípio da Sobreposição dos Estratos.
Este princípio diz-nos que as rochas favoráveis ao aparecimento de fósseis são designadas sedimentares. Estas formam-se pela deposição de sedimentos de outra rochas preexistentes em ambientes marinhos, lacustres e fluviais.
Se uma rocha sedimentar se encontra sob outra, então a mais antiga, em situações “normais”, é aquela que está situada inferiormente, uma vez que se depositou primeiro.
Utilizando aquele princípio, comparando as características geológicas de vários locais, os estratígrafos vão datando (e fazem-no há bastante tempo) as diversas rochas sedimentares.
Se um fóssil é formado numa rocha sedimentar, é natural que tenha a mesma idade da rocha onde aparece. Parece simples. E é.
Assim, os paleontólogos servem-se das tabelas de idades das rochas sedimentares para datarem os fósseis nelas encontrados – se um dinossáurio for descoberto uma rocha com 150 milhões estratigraficamente terá…150 milhões de anos!
Um dos mais antigos saurópodes (dinossáurios quadrúpedes e de pescoço e caudas compridos) foi o Tazoudasaurus. Este dinossáurio foi descoberto em rochas que datam do Jurássico inferior – cerca de há 180 milhões de anos. Este animal, pelo que foi dito anteriormente, apresenta a “bonita” idade de…180 milhões de anos.
O Tazoudasaurus não foi seguramente o maior dos dinossáurios (tinha “apenas” 9m de comprimento, pouco comparado com os 40m de alguns dos seus “primos” mais recentes).
Então porque é tão importante?
O Tazoudasaurus é um dos mais antigos saurópodes que se conhece. Desta forma tem servido para que os paleontólogos respondam a algumas questões: como foi a história evolutiva deste grupo? Como terá surgido a locomoção quadrúpede nestes animais?

Ao contrário dos mamíferos, que evoluíram a partir de ancestrais quadrúpedes, os dinossáurios iniciais eram bípedes.
Posteriormente, os paleontólogos ainda não perceberam bem porquê, desenvolveram a locomoção quadrúpede.
A locomoção bípede dos humanos é uma excepção dentro dos mamíferos – desenvolveu-se por diversos motivos que, melhor que ninguém, arqueólogos e antropólogos conseguem explicar.
No caso dos dinossáurios os “aberrantes” são os quadrúpedes – saurópodes, estegossáurios, ornitópodes, entre outros.
É esta uma das questões que mais atraem os paleontólogos envolvidos no estudo da locomoção entre os dinossáurios – mudança biológica radical ao nível da locomoção, de duas patas para quatro patas.
O leitor seguramente entenderá o radicalismo deste tipo de mudança na locomoção se recordar o caso da família turca que, devido a anomalias genéticas, se desloca em quatro membros – mãos e pés servem à locomoção.
Para além de todo o valor simbólico que encerra, este exemplo atraiu muitos investigadores pois poderá permitir avaliar e melhor compreender como se deslocavam os nossos antepassados.
De forma equivalente é de toda a importância para o estudo da vida na Terra e de um dos grupos que a dominou, perceber os mecanismos biológicos ligados ao surgimento da locomoção quadrúpede nalguns grupos de dinossáurios.
Regressando ao tema inicial, ao avaliarmos um dinossáurio tão antigo como o Tazoudasaurus, o que está em causa não é mais um recorde para o Guiness da Paleontologia; o importante neste exemplar é que permite identificar factores paleobiológicos que possam ajudar à compreensão da “revolução” na locomoção bem como a história evolutiva dos enormes saurópodes.

P.S.- escrevo esta pequena crónica enquanto espero, há cerca de 7 horas, no aeroporto de Casablanca, depois de ter estado alguns dias a estudar o Tazoudasaurus em Marraquexe …
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 23/03/2006)

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