Venho discutindo nas últimas semanas a nossa maneira de priorizar a conservação das espécies. Comecei falando sobre como tendemos a focar nosso interesse apenas em salvar espécies bonitas e fofas, nos esquecendo das feias. Depois mostrei um cartoon do ilustrador finlandês Seppo que trata das espécies ameaçadas não lucrativas e como elas são deixadas de lado. Hoje vou falar sobre um verdadeiro “saco de gatos”, o termo Hotspot de Biodiversidade. Fiz uma pesquisa no último post que propositalmente coloca este termo sem explicar o que ele realmente significa. As respostas foram muito interessantes e mostram um pouco como esta confusão em relação ao termo pode direcionar o que as pessoas pensam não só sobre os biomas brasileiros, mas sobre como devemos investir na conservação de espécies em todo o mundo. Na continuação deste post vou falar um pouco sobre o histórico do conceito de Hotspot de Biodiversidade, o cenário atual e as devidas críticas.
Hotspot ?
O termo em inglês hotspot significa algo como um ponto quente, um ponto importante para alguma finalidade. Pensando em um hotspot de biodiversidade, a ideia que o termo passa para o público em geral é que estes pontos são lugares de alta diversidade de espécies e, desta forma, são tratados de forma diferenciada em relação a outros. Bem, na verdade o termo não representa bem isso. O responsável por cunhar este termo foi o britânico Norman Myers em um artigo publicado na revista The Environmentalist há 21 anos atrás. Neste artigo, Myers define como Hotspots áreas em florestas tropicais que se enquadrem em dois requisitos:
“a) Apresentem uma concentração de espécies excepcional com níveis de endemismo excepcionais , e que,
b) Estejam diante de graus de ameaça excepcionais.”
Em 1990 o ambientalista britânico publicou um outro artigo no mesmo periódico iniciado com uma bela frase de impacto “Este artigo tem como objetivo acender uma luz sobre a extinção em massa que está tomando as espécies da Terra“. Pretensões grandiosas a parte, Myers acrescentou 8 Hotspots de Biodiversidade no seu mapa do mundo, incluindo agora áreas não tropicais.
Hotsposts de biodiversidade acrescentados. Fonte: Myers, 1990
O critério para a escolha destes 8 novos Hotspots já se apresentava de forma mais clara, mas não menos polêmica.
“1) Número de espécies de planta originalmente existentes
2) Número de espécies remanescentes hoje
3) Número de espécies que provavelmente sobreviveriam no próximo século”
Até então o conceito de Hotspots de Biodiversidade de Myers ainda estava restrito e era de pouco conhecimento do grande público. A popularização do termo veio através da adoção do conceito pela ONG americana Conservation Internacional. Em um trabalho conjunto, a ONG ambientalista americana e Norman Myers publicaram uma revisão do conceito em um livro e em um artigo no periódico científico Nature. Dos 10 Hotspots levantados no artigo de 1988, agora o total chegava a 25. O critério de caracterização de áreas como Hotspots continuava o mesmo de 1990, priorizando número de espécies de plantas vasculares endêmicas (grupos taxonômicos restritos a uma determinada área) e o grau de risco pela perda de espécies nos últimos anos. Foram incluídos no artigo ainda dados de número de espécies de vertebrados, mas apenas como suporte e não como critério. As espécies de invertebrados não foram incluídas por falta de dados, mas, segundo os autores, a relação da perda de insetos (maior parte dos invertebrados) e plantas é proporcional, o que faria o critério das plantas representar bem os insetos na análise.
Hotspots de Biodiversidade no cenário atual
A Conservation International realmente abraçou o termo criado por Myers e mantem atualmente um sítio bem interessante sobre o tema. Em 2005 eles publicaram mais uma atualização dos Hotsposts, com um prefácio do Harrison Ford (?). No final das contas, temos atualmente 34 Hotspots. Para conhecer os 34 “escolhidos”, vale a pena a visita ao mapa interativo no sítio oficial. Para finalizar, o critério mais recente utilizado para definir uma área como Hotspot de Biodiversidade é o seguinte:
1) Deve conter, pelo menos, 1.500 espécies de plantas vasculares (> 0,5% do total do planeta) como endêmicas;
2) Deve ter perdido pelo menos 70% do seu habitat original.
Pesquisa
Agora que entendemos o conceito de Hotspots de diversidade, podemos discutir melhor o resultado da pesquisa realizada no último post.
Em primeiro lugar disparado t
ivemos o Cerrado e em segundo lugar de forma surpreendente, o Pantanal. Digo surpreendente pois o resultado que eu esperava seria a Amazônia em primeiro, sem concorrência. Tenho uma hipótese: os leitores podem ter achado que era uma pegadinha (Rááá!) e descartaram Amazônia logo de primeira e foram para o pantanal onde a grande biodiversidade é mais “visível”. Mas como vimos no início do post, o fator crucial para a descrição de um lugar como Hotspot de Biodiversidade é a percentagem de perda do habitat original. Desta forma, os únicos Biomas brasileiros que são considerados Hotspot de Biodiversidade são a Mata Atlântica e o Cerrado. A resposta correta da pesquisa seria então “Cerrado”, como marcaram 21 leitores. Muito obrigado ao Davi e ao Climber pelos comentários no post da pesquisa e as 39 pessoas que perderam o seu precioso tempo votando.
Uma boa dose de crítica
Até aí tudo é um mar de rosas. Escolhemos lugares baseados em um critério e assim podemos investir melhor o dinheiro e os esforços para a conservação das espécies mais ameaçadas. Mas será que é tão simples assim? A utilização do conceito de Hotspot como critério para a conservação vem sendo criticado desde a sua origem e, dentre os vários pontos que são criticados, os indianos Krishnankutty e Chandrasekaran ressaltaram os mais importantes em um artigo de opinião no periódico Current Science. Dentre os mais importantes, podemos citar:
- Grande variação das áreas classificadas como Hotspots de Biodiversidade, dependendo do critério utilizado
- Ignorar os fatores ecológicos, evolutivos e antropogênicos que fundamentam a origem e a manutenção da biodiversidade atual
- Utilização de diferentes metodologias em diferentes estudos para determinar as áreas
- Problemas de escala. Dependendo da escala em questão, áreas classificadas como Hotspots podem até não conter nenhuma espécie rara
- O endemismo é o principal critério utilizado para classificação, mas pode ser muito fraco se levarmos em conta a falta de dados atualizados, estudos restritos a apenas algumas espécies e a utilização de estimativas.
- Por último, mas não menos importante: a utilização de Hotspots é centrada em espécies e não em habitat. Cada vez mais vemos a grande importância dos serviços ecossistêmicos, que podem ser mantidos mesmo com a extinção de algumas espécies.
Uma parte das críticas feitas pelos autores indianos foram centradas em um relevante trabalho publicado na Nature em 2005. David Orme e colaboradores fizeram uma análise global da diversidade, comparando diferentes critérios para a escolha de áreas prioritárias para a conservação utilizando dados de aves. Qual o resultado? Falta de congruência entre Hotspots de diversidade, dependendo do critério utilizado para escolher essas áreas. A congruência representa a sobreposição dos Hotspots utilizando diferentes critérios. Se a congruência fosse alta, a utilização de Hotspots para a conservação independente do critério seria importante. O critério do endemismo foi o que trouxe os melhores resultados para aves, mas uma análise geral mostra que a utilização de índices múltiplos pode ser mais eficiente.
O fato de uma área ter ou não uma espécie endêmica é resultado de fatores históricos que podem variar muito com a escala do estudo. Selecionar grandes áreas, artificialmente acoplando regiões de histórias ecológicas e evolutivas diferentes, pode dificultar a escolha de áreas prioritárias.
Devemos jogar o conceito de Hotspots de Biodiversidade fora?
Mesmo com todas as críticas, o conceito criado por Norman Myers não pode ser desprezado como um todo. A ideia de que os recursos financeiros para a conservação são finitos e que devemos escolher prioridades é muito importante. Não conseguiremos salvar todas as espécies de animais e plantas do planeta, então manter foco é primordial. O debate sobre qual critério utilizar para definir estas prioridades é e sempre será motivo de polêmica. Um grande ganho ao debate atual está na introdução do conceito de “Diversidade de interações”, que tem como seu principal defensor o Professor titular da UNICAMP Thomas Lewinsohn. Ele passou de forma bem clara a sua opinião sobre o tema em uma entrevista recente.
“Em geral, as políticas ambientais de diversos países se baseiam apenas em dois tipos de informação: a contagem das espécies e sua distribuição geográfica, especialmente as que estão ameaçadas de extinção.
Quando temos acesso a informações de que um determinado lugar é
muito rico em espécies, esses dados por si só não nos dizem quais são
as perspectivas de manutenção dessas espécies em termos da viabilidade
de funcionamento do ecossistema.
Não há nada de errado nisso, ao contrário, essas informações são necessárias, mas não são suficientes por serem muito desvinculadas do processo de funcionamento dos ecossistemas como um todo. É preciso levar em conta também o que chamamos de diversidade de interação.Os projetos de pesquisa não devem deixar de ter foco no estudo das espécies, mas devem abranger também os aspectos que funcionem como indicadores de funcionamento dos ecossistemas. A idéia de diversidade de interações é apenas uma maneira de ir em direção a esse objetivo. Devemos estender, do ponto de vista operacional, esse conceito de biodiversidade para incluir aspectos mais explicitamente vinculados com o funcionamento”
A nossa tarefa não é simples. Devemos investir em um melhor entendimento da complexidade natural dos ecossistemas e da heterogeneidade das respostas aos impactos antropogênicos. Se você pretende trabalhar um dia com biologia e conservação de espécies não desanime. Encare a complexidade do problema como um estímulo a investirmos cada vez mais em pesquisa básica e em pesquisadores. Este é o papel da ciência.
Referências:
Krishnankutty, N., & Chandrasekaran, S. (2007). Biodiversity hotspots: Defining the indefinable? Current Science, 92 (10), 1344-1345
Myers, N. (1988). Threatened Biotas: “Hot Spots” in tropical forests The Enviromentalist , 187-208
Myers, N. (1990). The Biodiversity challenge: Expanded Hot-spot analysis The Enviromentalist , 10 (4), 243-256
Myers, N., Mittermeier, R., Mittermeier, C., da Fonseca, G., & Kent, J. (2000). Biodiversity hotspots for conservation priorities Nature, 403 (6772), 853-858 DOI: 10.1038/35002501
Orme, C., Davies, R., Burgess, M., Eigenbrod, F., Pickup, N., Olson, V., Webster, A., Ding, T., Rasmussen, P., Ridgely, R., Stattersfield, A., Bennett, P., Blackburn, T., Gaston, K., & Owens, I. (2005). Global hotspots of species richness are not congruent with endemism or threat Nature, 436 (7053), 1016-1019 DOI: 10.1038/nature03850
ÓTIMO, muito bom
eu queria saber, o que podemos fazer para cnservar, a biodiversidade de especies e seu HOTSPOTS
Eu preciso saber de Hotspots lucros obtidos
por que o Cerrado Caatinga Pantanal e Amazônia são considerados hotspots
Oi Leticia,
É só ler o post que você vai descobrir! 🙂
E o que vocês acham do meio marinho? Sempre tive essa curiosidade em relação a possíveis "hotspots" marinhos...
Olá Fernando, obrigado pela visita e pelo comentário.
Já aplicaram a mesma metodologia de caracterização de hotspots para ambientes marinhos. Como existem premissas para o uso do conceito, qualquer pessoa pode aplicar em sua área de estudo se a mesma tiver dados disponíveis. Saiu até um artigo da Science sobre o tema: http://www.sciencemag.org/content/295/5558/1280.short
Outra iniciativa interessante é o "Global 200", do WWF. Eles selecionaram regiões de alta biodiversidade, mas sem relações com potencial de extinção. E incluíram 43 ambientes marinhos: http://www.worldwildlife.org/publications/global-200
Abraços.
Show... Ótimo texto!
Perfeito!!!! Foi muito esclarecedor!!!
achei os comentarios da kaoma muito nada a ver,porque ela fez coisas tao bobas.
adorei e acho muito muito importante cuidar da nossa biodiversidade.
gostei
Gostei do post, pois tenho q fazer fazer um trabalho da escola, mas posso confiar ?! .. Tenho muito medo que não seja isso intende ? Mas mesmo assim obrigada !..
Lary,
Independente do site, sempre busque outras fontes. Nunca confie plenamente em qualquer coisa que você leia. Tenha senso crítico, compare, pesquise. Assim você conseguirá ter mais certeza se pode confiar ou não em uma fonte.
Abraços.
mmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmoooooooooooooooooooooooooooorrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrreeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee ddddddddddddddddddddddddddddddddddddiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaabbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbbooooooooooooooooooooooooooooo
Olá Kaoma,
Não sabia que meu post despertaria sua ira desta forma 🙂
Abraços.
achei muito bobo o seu comentario,nao teve nada a ver.
chaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaattttttttttttttttttttttttttttttttttttooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo iiiiiiiiiiiiiiiiiiisssssssssssssssssssssooooooooooooooooooooooooo eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee mmmmmmmmmmmmmmmmmuuuuuuuuuuuuuuuuuuuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiittttttttttttttttttttttttttoooooooooooo
isso e muito chato e sssssssssssssssssssssssssssiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiimmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm porraaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaassssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssss
comcordo
Ih Gabriela, me pegou 🙂
Valeu pelos elogios, volte sempre!
Mas vc não considerou que algumas pessoas que votaram poderiam ter conhecimento prévio sobre hotspots!
Eu tinha! 🙂
E, de nada !
Parabéns pelos posts, muito bons, bem discutidos e interessantes.
De nada! rsrs
Semana passada estive em Brasília.. e a visita só me fe reiterar minha resposta..
Abraços e ótimo post!
acho que a melhor forma de lidar com pessoas e biodiversidade é pelo conceito de serviços ecossistêmicos (ecosystem services - via wikipedia). pois considerando-se que os países com mais biodiversidade são em geral países em desenvolvimento - vide o B-17(bloco dos 17 países com maior biodiversidade) - e que portanto há diversas dificuldades de natureza social, econômica e política, as pessoas não vão simplesmente deixar de explorar o meio se não receberem nada em troca.
há casos excepcionais de práticas conservacionistas em que os envolvidos têm condições financeiras suficientes para oferecer às populações afetadas assistência médica ou bolsas de estudos para dar meios de sustentabilidade social.
infelizmente esta é a exceção, e a regra é que quando se lida com conservação, as pessoas parecem não ligar muito, ou não tem condições de oferecer alternativas as pessoas que são diretamente afetadas, e que geralmente são de classes socioeconômicas mais baixas.
casos crassos são os de rppn por todo o país, no qual os vizinhos às reservas são muitas vezes vistos como "inimigos da natureza" e não como pessoas que devem receber alguma educação ambiental e desta forma contribuir para a conservação cooperativa e ativamente.
esta educação deveria ser responsabilidade direta dos proprietarios de tais reservas (uma vez que a educação pública nunca é o suficiente nesse aspecto). mas esse papel é na maioria das vezes negligenciada.
nesse aspecto acho que o conceito de hotspots é incompleto, pois tem como principal papel a identificação dos locais prioritários, e identificar o problema não o resolve.
é claro que é necessário ações sinérgicas de várias esferas administrativas a partir do momento que se identifica, mas enquanto as pessoas não entenderem o que a biodiversidade faz por elas, nada adianta.