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Essa semana saiu no periódico americano PNAS um artigo que fez um levantamento bem interessante sobre a credibilidade do tema Aquecimento Global no meio acadêmico. O artigo utilizou algumas métricas para comparar a quantidade de cientistas do clima que defendem o Aquecimento Global antropogênico (em que o principal causador seria o homem) e os que não defendem esta proposição. Para classificar estes dois lados foi utilizado um critério simples, a presença do nome de cientistas em cartas e relatórios abertos ao grande público em que esta posição era claramente declarada. Dentre relatórios do IPCC, cartas de sociedades científicas e outros, uma coisa que me chamou a atenção foi a utilização de um programa de TV como fonte destes nomes. O programa é o famoso “The Great Global Warming Swindle” ou “A grande farsa do aquecimento global”, já discutido (e muito bem discutido) pelo Carlos Pacheco no Geófagos em três posts (Parte 1, parte 2 e parte 3).

O resultado foi mais do que esperado. Segundo os autores, 97-98% dos cientistas do clima que mais publicam artigos em revistas científicas estão no grupo que defende o Aquecimento global antropogênico. Além disso, ainda segundo os autores do artigo, a “capacidade” e “proeminência” dos cientistas que não defendem o aquecimento global antropogênico é substancialmente menor do que os que defendem esta vertente. Os autores do artigo utilizaram como índice de “capacidade” de um cientista do clima o número de autorias e coautorias em artigos publicados em periódicos científicos “relevantes” (o que não foi bem definido no texto do artigo). Já como índice de “proeminência” foi utilizado o número de citações em cada artigo dentre os quatro artigos mais citados de cada autor. Resumo da ópera: os autores do artigo na PNAS utilizaram alguns índices para tentar checar a “credibilidade científica” dos cientistas do clima pesquisados. A busca foi feita no Google Acadêmico, ferramente que eu recomendo bastante.

Tirando todos os problemas que uma análise baseada em algum tipo de métrica pode ter (ainda mais com uma base de dados deste tipo), consigo ver neste caso apenas a reafirmação de um padrão já estabelecido. Mas a questão principal continua sendo outra. Será que um chamado “consenso” (muito cuidado com este termo) na comunidade científica sobre determinado tema tem como resultado direto um melhor entendimento do grande público? Quanto maior o “consenso” científico maior a confiança do público sobre determinado tema? Um editorial do periódico Nature publicado na semana passada afirma que não. Escolhi alguns trechos para exemplificar esta visão:

“(…)

O problema é que as pessoas avaliam a informação por um grande número de fontes, não apenas cientistas. E as pessoas – políticos incluídos – tomam decisões com base nos interesses próprios e nas suas esperanças, medos e valores, que não coincidem necessariamente com o que muitos pesquisadores consideram auto-evidentes.

(…) os cientistas devem evitar o hype e controlar os exageros sobre a ameaça do aquecimento global. Aqueles que procuram semear a dúvida sobre a prova sólida e ampla para o aquecimento global devem ser combatidos com fatos como uma questão de disciplina. Mas os temores legítimos e o ceticismo científico devem ser bem-vindos ao debate.

A ciência não é completa e nunca será, mas é suficientemente robusto que as conclusões gerais não podem ser reduzidas por questões sobre qualquer dado pontual. Sob essa perspectiva, o fato de que os cientistas do clima não conseguem prever exatamente o quão ruim o impacto pode ser bem que poderia ser o melhor argumento para a ação.”

Este é o ponto. Não importa que 99,9% da comunidade científica concorda sobre um determinado problema. Não importa o quanto tentamos traduzir de forma simples os jargões científicos. Temos que tirar a ciência da estratosfera e trazer para o chão. Mostrar que a ciência é feita por pessoas reais e que existem incertezas. Acho importante mostrar que cientistas com “capacidade” e “proeminência” no meio científico defendem determinado tema. Mas isto não indica que não existem incertezas sobre o assunto. Basta que um meio de comunicação faça um especial de 1 hora mostrando os erros do IPCC que teremos um verdadeiro desastre em termos de divulgação científica por falta de conhecimento de como funciona a ciência em si. Precisamos o mais rápido possível sair da nossa torre de marfim e mostrar que ciência não está acima de todas as coisas, diferente dos dogmas religiosos.

Referências:

Anderegg, W., Prall, J., Harold, J., & Schneider, S. (2010). Expert credibility in climate change Proceedings of the National Academy of Sciences, 107 (27), 12107-12109 DOI: 10.1073/pnas.1003187107
Editorial (2010). A question of trust Nature, 466 (7302), 7-7 DOI: 10.1038/466007a