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Rota alternativa ou principal, eis a questão

Lembro de ouvir uma vez de um professor de uma grande universidade federal que mestres e/ou doutores que saíam da academia estariam gastando dinheiro público sem dar retorno para a sociedade. Que ocupavam uma vaga de um aluno que poderia seguir a carreira acadêmica. E, claro, eu não tenho como discordar mais dessa afirmação. Por vários motivos. Vou tentar falar sobre os principais nesse espaço que se transformou em uma válvula de escape da minha vida acadêmica nos últimos 6 anos.

O principal motivo que me faz discordar do importante professor é que o papel de pós-graduandos em laboratórios é muito maior do que só a defesa de dissertação/tese ou publicação de artigos. Tenho certeza que nesse momento muitos leitores devem estar pensando que esta é uma defesa de quem não publica artigos. Bem, poderíamos entrar aqui em uma discussão sobre como o publish or perish contaminou a academia nos últimos anos e ou sobre indústria de publicação de artigos priorizando a quantidade e falta de ética na escolha de co-autores. Mas, de forma mais superficial, concordo que publicar é a forma de retornarmos aos nossos pares o que fizemos de pesquisa e que deixar dados na gaveta seria um desperdício de dinheiro público e tempo científico, pois outros cientistas não terão acesso aos mesmos. Sim, isso é muito importante. Mas o trabalho feito atrás das cortinas científicas é muito maior do que isso. E não é feito apenas pelos professores.

O papel quase oculto dos pós-graduandos

Orientar alunos (sim, orientar e não só co-orientar), escrever projetos que em muitos casos sustentam financeiramente os laboratórios, cuidar do gerenciamento e da prestação de contas desses projetos, organizar a rotina do laboratório, planejar/administrar/participar de viagens de campo e coletas de amostras. Essa é só uma parte da rotina de qualquer pós-graduando. Normalmente ele é o primeiro a chegar (antes do professor) e o último a sair do laboratório. Final de semana? Feriados? Eles normalmente entram na agenda como um dia normal de trabalho, mesmo se o pós-graduando não estiver no laboratório. E para todas essas funções ele ganha uma ajuda de custo do governo federal ou de um órgão de fomento local, que além de defasada e não contar com direitos trabalhistas é comparativamente muito menor do que o salário de profissionais de outras áreas com o mesmo tempo de estudo. Uma boa discussão sobre a profissionalização do cientista pode ser lida aqui.

Todas essas funções de um pós-graduando foram resumidas pelo já citado professor de uma universidade federal como sem importância perante a publicação de um artigo ou defesa de tese, uma total falta de reconhecimento do trabalho prestado todos os dias. Alunos de pós-graduação literalmente sustentam os laboratórios do mundo inteiro, e por isso não podem ter o trabalho reconhecido apenas pela quantidade de artigos publicados. O retorno para o laboratório tanto financeiramente – pelos projetos – como cientificamente – pela orientação dos alunos – é literalmente colocado de lado. Não ver isso é errado, ainda mais que todos sabemos que não teremos vagas nas universidades para todos os pós-graduandos. Esse é um grande tabu do meio acadêmico, sendo muito raro a discussão sobre o mundo profissional fora dos muros da universidade.

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Não concorda comigo? Então aqui vai uma citação da Nature

Um editorial da Nature publicado essa semana cobra exatamente um maior posicionamento das universidades sobre a vida fora da academia. Separei um trecho importante abaixo:

“Quando as universidades estão cortejando potenciais pós-doutorandos, eles devem deixar claro que a maioria não vai acabar como membro do corpo docente, além de apresentar todas as outras carreiras que seus alunos de pós-graduação podem perseguir. As universidades também deveriam ajudar mais os seus alunos de doutorado a ganhar habilidades e contatos que serão importantes fora da academia (…)”

Transparência com os alunos é algo muito importante nessa hora e passar a realidade do mercado é dever dos professores universitários. Tanto do mercado acadêmico como do externo, pois não devemos achar que pós-graduações são meras produtoras de futuros professores ou pós-doutores eternos. O editorial também deixa claro que se não fossem os pós-graduandos que deixaram a academia provavelmente o periódico Nature não funcionaria, já que a revisão, produção de artigos jornalísticos e outras funções são exercidas por doutores que não seguiram na carreira acadêmica. No mesmo número da Nature outro artigo toca em um ponto relevante para a discussão:

“Uma percepção comum é de que os estudantes mais fracos de ciência são forçados a sair de um campo competitivo, deixando as estrelas mais brilhantes para ocuparem as desejáveis posições acadêmicas. Mas (…) como a maioria dos mentores sabe – este não é o quadro completo: às vezes os cientistas que saem são aqueles mais promissores. Suas motivações são diversas: alguns querem mais dinheiro, ou mais tempo com a família; outros são atraídos por oportunidades em outros lugares.”

A estrada dos tijolos amarelos fora da academia

Parece óbvio, mas é bom reforçar. Sair da academia não é sinal de fraqueza ou menor qualidade. Essa questão é muito complexa e pode atormentar a vida de muitos alunos que estão nesse momento na pós-graduação. Saber o momento certo de procurar outros caminhos não é fácil. Muitas vezes por falta de informação achamos que o único caminho é seguir a vida acadêmica, fazer um doutorado, um pós-doutorado, mais um pós-doutorado, outro pós-doutorado…aguardando o Santo Graal da vida acadêmica: uma vaga de professor em universidade pública. O que pode demorar muito a acontecer ou até não acontecer. Muitas vezes sair desse caminho sonhado pelos orientadores é difícil e até traumático.

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Mas sim, existe vida fora da academia. Você não é o único a pensar dessa maneira, não é um perdedor como gostam de dizer os americanos. Nos EUA, menos de 10% dos doutorandos em biologia seguem uma carreira acadêmica. Busque contatos, faça cursos fora da sua universidade, procure pessoas de áreas completamente diferentes da sua. O mundo é muito maior do que a universidade e tenha certeza que um pós-graduado tem grande chance de se transformar em um profissional diferenciado no mercado de trabalho, independente da sua especialidade. Não ter experiência prévia comprovada mesmo tendo trabalhado por anos em um laboratório é uma triste realidade, que pode dificultar o caminho para o primeiro emprego formal. Mas vale a pena investir no que você realmente gosta de fazer.

Como disse Peter Medawar no livro “Os limites da ciência“, cientistas são um grupo de pessoas com as mais variadas habilidades e que poderiam facilmente se encaixar em diversas profissões. Por isso não fique preso no pensamento de que “Eu nasci para isso”. A pós-graduação pode ter sido um período de importante aprendizado para sua futura profissão. Ou talvez o tempo fora da academia pode fazer você amadurecer e ver que a carreira acadêmica é realmente o que você deseja. O importante é não deixar ser levado pela maré acadêmica, fazendo várias pós-graduações sem pensar muito no assunto (vale a leitura do post do Breno “Pós-graduação para que?“).

Se você não refletir sobre o que realmente gosta no meio do caminho pode acabar desperdiçando grandes oportunidades que estão acontecendo lá fora, neste exato momento, no mundo real. Faça sim uma pós-graduação, mas não esqueça de sempre olhar para fora da janela do laboratório.

 

Atualização 03/12/15

Mais uma vez a Nature resolveu discutir o tema e agora de forma até mais profunda. Acho que não estou sozinho nessa luta.

Editorial: Make the most of PhDs

Artigo: How to build a better PhD