Uma questão viral

©Rodrigo Barreiro

©Rodrigo Barreiro

Este post é o resultado de uma prova aplicada à turma da disciplina de Virologia, da graduação em Ciências Biomédicas do ICB/USP. A prova foi uma redação sobre o tema “Vírus é vivo?” e as respostas seguem abaixo:

A grande dificuldade em caracterizar vírus como vivos ou não está na complexidade em se definir o que é vida, pois algumas das propriedades utilizadas para defini-la são apresentadas pelo que não é considerado vivo, como, por exemplo, a capacidade de multiplicação, pois cristais se “replicam” apenas pelo contato com novas moléculas em um certo padrão (principal estágio da cristalização), mas não por isso são considerados vivos [1].

Já os vírus são, em minha opinião, organismos vivos; são formados por um capsídeo proteico, alguns envolvidos por membrana também (proveniente da célula infectada), material genético (DNA ou RNA, que podem ser de fita simples ou dupla) e podem codificar enzimas virais e conter proteínas receptoras em sua superfície, que reconhecem o meio externo e outras células. São parasitas intracelulares obrigatórios, pois necessitam e manipulam a maquinaria celular para se multiplicarem [2]. Mesmo que não apresentem atividade fora de células vivas, essa habilidade de se replicarem comandando a célula infectada e, portanto, a desnecessidade de carregarem toda a maquinaria consigo pode ser considerada uma razão de serem organismos vivos, além de que percebem e respondem ao ambiente em que estão.

A capacidade de multiplicação pelo comando da célula hospedeira também é apresentada pelos viroides, que são pequenas moléculas de RNA simples fita circular e sem nenhum capsídeo; porém, estes infectam células ao acaso e iniciam transcrição de genes, enquanto os vírus apresentam proteínas em sua superfície que reconhecem tipos celulares específicos (com determinados receptores) para infecção e, também, mecanismos de regulação da expressão de suas proteínas: possuem proteínas precoces, que são as primeiras a serem sintetizadas e atuam, em geral, na própria transcrição e replicação do genoma viral ou sobre o metabolismo celular, modificando-o para favorecer a síntese de componentes virais e as proteínas tardias, que são estruturais e irão compor a partícula viral [2].

Figura 1: Classificação de Baltimore para vírus. (+) e (-) indicam senso positivo e negativo, respectivamente, da fita de RNA. ds e ss indicam que a molécula de ácido nucleico é constituída de cadeia dupla ou simples, respectivamente. Imagem de GrahamColm, retirada da Wikimedia Commons.

Figura 1 – Classificação de Baltimore para vírus. (+) e (-) indicam senso positivo e negativo, respectivamente, da fita de RNA. ds e ss indicam que a molécula de ácido nucleico é constituída de cadeia dupla ou simples, respectivamente. Imagem por GrahamColm, retirada da Wikimedia Commons.

Segundo o Diagrama de Baltimore, os vírus são classificados em 7 grupos, dependendo do seu tipo de material genético e, portanto, dos processos necessários para a síntese de RNA mensageiro na célula hospedeira (que codificará as estruturas virais), uma vez que no processo de replicação de alguns vírus deve ocorrer a conversão do seu material genético em um DNA ou RNA intermediário antes da síntese do RNA mensageiro [3] (Figura 1). O fato de que o próprio vírus na maioria das vezes codifica ou carrega a enzima que irá possibilitar essa etapa, seja uma RNA ou DNA polimerase (inclusive transcriptase reversa), mostra que houve uma evolução e adaptação às células hospedeiras, já que em grande parte apenas as proteínas que não são providas pela célula são codificadas pelos vírus.

Figura 2: Classificação de Baltimore de vírus, apresentando quais enzimas são utilizadas por cada grupo.

Figura 2 – Classificação de Baltimore de vírus, apresentando quais enzimas são utilizadas por cada grupo. Imagem por Carter JB e Saunders VA, retirada de Wikimedia Commons.

Por exemplo, a maioria dos vírus de DNA (Grupos I e II) é capaz de codificar a DNA polimerase necessária para sua replicação e estas são únicas para cada um, ou seja, não podem ser substituídas pelas enzimas da célula, mas apresentam grande similaridade com DNA polimerases de eucariotos e Escherichia coli, mostrando que tais sequências provavelmente são provenientes de alguma célula hospedeira e sofreram modificações com o passar do tempo; acredita-se que foi selecionada positivamente a posse de uma enzima própria porque muitas vezes o vírus se replica no citoplasma e, consequentemente, seu material não tem acesso às polimerases da célula, ou também porque a célula alvo não se divide e, assim, não expressa quantidade suficiente de tal enzima [4]. Outros exemplos são os vírus de RNA de senso negativo (Grupo V), que já contém sua própria RNA polimerase em sua partícula e transcreve o RNA a senso positivo, o qual atua como RNA mensageiro; e os de RNA que geram moléculas de DNA dupla fita intermediárias (Grupo VI), por meio da ação da enzima transcriptase reversa, também carregada já na partícula viral (Figura 2).

Um exemplo de como os vírus conseguem responder a variações no ambiente é o caso dos bacteriófagos, que infectam bactérias e são capazes de integrar seu DNA ao bacteriano (caracterizando o ciclo lisogênico), o que é vantajoso para ambas as partes: para a bactéria, por prevenir que haja infecção e sua eventual lise; e para o fago, pois consegue se manter estavelmente e se replicar juntamente a ela. Porém quando a célula está em uma situação de estresse que leve à lesão do DNA, deixa de ser interessante para o fago manter-se nesta bactéria, assim, por conta de mudanças na sinalização intracelular, como ativação de proteínas da via SOS de reparo, ocorre a excisão de seu DNA e início do ciclo lítico, caracterizado pela síntese e montagem das estruturas virais e sua saída da célula hospedeira [5].

Um fator que contribui para que vírus não sejam considerados vivos é a ausência de ribossomos para síntese própria de proteínas, mas acredita-se na possibilidade de que haja vírus com tal organela, uma vez que foram descobertos alguns que chegam a ser maiores que células, tanto fisicamente como em relação ao conteúdo genético [1]. Outro é a ausência, também, de metabolismo próprio, mas, mesmo assim, os vírus sofrem pressão seletiva e conseguem responder ao ambiente, apresentando, portanto, evolução, como ocorre com organismos vivos. Se os vírus não fossem vivos, não sofreriam adaptação. A apresentação de novas estruturas e características por parte dos vírus se deve em grande parte pela sua aquisição a partir das células hospedeiras, possível modificação no seu interior, por mutações, por exemplo, e manutenção das que forem vantajosas.

Quem sou

Nadine GiménezMeu nome é Nadine Giménez, tenho 18 anos e estou na graduação em Ciências Biomédicas pela USP. Tenho grande interesse por biologia molecular, pois busco entender os processos que ocorrem dentro do ser humano e também de microrganismos, que ilustram e, de certo modo, explicam a grande complexidade dos seres vivos.

 

 

 

 

Referências:

[1]          “Are Viruses Alive?” [Online, Accessed: 13-May-2015].

[2]          L. R. Trabulsi and F. Alterthum, Microbiologia. Editora Atheneu, 2004.

[3]          D. Baltimore, “Expression of animal virus genomes.,” Bacteriol. Rev., vol. 35, no. 3, pp. 235–41, Sep. 1971.

[4]          “Coen, Donald M. ‘16 Viral DNA Polymerases.’ Cold Spring Harbor Monograph Archive 31 (1996): 495-523.” [Online, Accessed: 13-May-2015].

[5]          Marques, Marilis do Valle. Biologia Molecular e Genética Bacteriana. Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Genética, 2012.

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