O lado bom do lago tóxico

Há males que vêm para o bem mas que bem poderia vir de um mal tão grande quanto um lago tóxico numa mina abandonada? Resposta: novos e potentes antibióticos.

Berkeley Pit é uma mina de cobre a céu aberto situada no interior de Montana, nos Estados Unidos. Abandonada desde 1982, a mina deu lugar a um lago com mais de 540 metros de profundidade, formado por água tão ácida quanto uma limonada temperada com arsênico.

Como ninguém mora ali perto, não há riscos para os humanos. Mas os animais selvagens têm menos sorte. Os gansos-da-neve às vezes pousam ali para descansar de suas migrações ou se abrigar de tempestades. Nos últimos 20 anos, centenas dessas aves já morreram intoxicadas ao fazer um pit stop em Berkeley Pit. Em 1995, autópsias de 342 gansos encontrados mortos no lago revelaram que eles foram consumidos por queimaduras e ulcerações causadas por altas concentrações de cobre, cádmio e arsênico.

Nem todo mundo que cai nessa sopa metálica se dá mal. Nos últimos anos, os cientistas descobriram que Berkeley Pit é um paraíso para algumas espécies de fungos e bactérias extremófilas. Entre os pesquisadores que estudam a área estão os químicos Andrea A. Stierle e Donald B. Stierle, da Universidade de Montana. Esses dois irmãos estão sempre analisando os compostos incomuns produzidos por esses micróbios durões.

Depois de encontrar microorganismos capazes de sintetizar compostos anti-inflamatórios, os dois Stierle resolveram ver o que aconteceria se cultivassem um par de fungos Penicillium (P. fuscum e P. camembertii) em laboratório. Seis dias mais tarde, eles descobriram que essas criaturinhas haviam se juntado para produzir novos compostos que nenhuma poderia fazer sozinha.

Publicada no Journal of Natural Products, a pesquisa de Stierle, Stierle e seus colaboradores revelou que esses compostos são muito parecidos com uma classe de antibióticos conhecida como macrolídeos. Ao observar o funcionamento de uma dessas substâncias — batizada como berkeleylactona-A —, os cientistas perceberam que ela atacava algumas bactérias bem perigosas de uma maneira inédita.

Segundo o paper, os “estudos do modo de ação mostraram que, diferente de outros antibióticos macrolídeos, a berkeleylactona-A não inibe a síntese de proteínas nem ataca o ribossomo, o que sugere um novo modo de ação” para a atividade do futuro medicamento. Diferente de outros macrolídeos, descobriram que a estrutura da berkeleylactona-A não tem um par de açúcares nem uma ligação dupla.

Pode parecer uma mudança sutil, mas foi o bastante para matar de maneira eficaz quatro linhagens de MRSA resistentes a antibióticos, além do Bacillus anthracis (causador do antrax), Streptococcus pyogenis (inflamação da garganta) e os fungos Candida albicans e C. glabrata (que causam infecções em humanos).

Essa é uma excelente notícia num momento em que precisamos de novos antibióticos para evitar milhões de mortes possíveis em caso de epidemias causadas por bactérias super-resistentes. Porém — sempre tem um porém — as causas da eficácia da berkeleylactona-A continuam desconhecidas e a substância recém-descoberta ainda vai precisar ser testada por alguns anos antes de se tornar mais uma arma no nosso arsenal antibacteriano.

Referência

rb2_large_gray25STIERLE, Andrea A. et. al. The Berkeleylactones, Antibiotic Macrolides from Fungal Coculture [Berkeleylactonas: antibióticos macrolídeos a partir de co-cultura fungal]. J. Nat. Prod., 2017, 80 (4), pp 1150–1160 DOI: 10.1021/acs.jnatprod.7b00133

[via Science Alert]

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