Aspectos privados da microbiologia

Após intimação sugestão feita pelo Luiz Bento, finalmente sai o post sobre o artigo publicado pela PLoS One no dia 23/11 sobre aquele lugarzinho que a gente só gosta de ir na casa da gente… O Breno, do “Discutindo Ecologia”, passou na frente, e fez um post sobre esse artigo, mas eu tenho algumas coisinhas para acrescentar.

Ao contrário do banheiro do Breno, o meu é limpinho!

ResearchBlogging.org Estamos, atualmente, numa corrida para conhecer o nosso próprio microbioma (o conjunto das bactérias que habitam o nosso corpo)… Imagine então, se mal conhecemos as bactérias que moram no nosso próprio corpo, o que pensar sobre as bactérias que habitam os lugares por vivemos e (por que não?) fazemos nossas necessidades?

O que esses pesquisadores fizeram, então, foi utilizar de métodos de biologia molecular para conseguirem descobrir a diversidade das bactérias que habitam as diferentes superfícies de um banheiro – na verdade, de doze (Fig 1)! O uso de técnicas modernas no estudo da microbiota vem para suprir uma grande lacuna deixada pelos “métodos dependentes de cultura” – isso porque muitas bactérias dependem de condições muito específicas que não permitem que sejam cultivadas artificialmente em meio de cultura. Assim, as técnicas de biologia molecular utilizam o material genético dessas bactérias e, consequentemente, podemos identificar mesmo as bactérias que não conseguimos cultivar!

Fig 1. Superfícies examinadas pelos pesquisadores para a análise biogeográfica das bactérias dos banheiros. Foram analisadas 10 diferentes superfícies de 12 banheiros públicos – 6 femininos e 6 masculinos. 

Pois bem, curiosamente – ou não – o resultado apresentado não é tão surpreendente, porém isso não diminui o mérito do trabalho. Vamos entender o porquê disso agora.

Das sequências obtidas, 92% pertencem a 4 filos bacterianos: Actinobacteria, Bacteroidetes, Firmicutes e Proteobacteria. Se vocês derem uma olhadinha aqui e aqui vocês verão que esses são os grupos bacterianos que habitam nosso corpo. Esses dados suportam outros estudos que mostram que ambientes fechados são comumente habitados por bactérias componentes da microbiota humana.

Por comparação, as diferentes comunidades bacterianas de cada superfície podem ser agrupadas em 3 grandes categorias de similaridade (Fig 2).

Fig 2. Relação entre as diferentes comunidades bacterianas associadas a diferentes superfícies de banheiros públicos. Cada ponto representa uma amostra.

Vamos observar, agora, com um pouco mais de detalhes a composição das diferentes comunidades bacterianas analisadas (Fig 3):

Fig 3. Relação de contribuição média de diferentes fontes de microrganismos para as diferentes comunidades bacterianas. Veja que em todas as superfícies foram encontrados micro-organismos provenientes de diferentes as fontes. Ressalto aqui as seguintes fontes: intestino (Gut – em marrom) e Urina (Urine – em amarelo)

— As comunidades do chão compreendem a maior diversidade (mas não necessariamente o maior número) de bactérias. Isso ocorre, pois parte dessas bactérias são provenientes dos sapatos dos usuários da “casinha” que, por sua vez, caminham por diversos outros locais e acabam carreando e distribuindo essas bactérias por onde andam.

— Bactérias que habitam a pele humana (Propionibacteriaceae, Corynebacteriaceae, Staphylococcaceae e Streptococcaceae) foram encontradas em maior proporção naquelas superfícies que são rotineiramente e exclusivamente tocadas pelas mãos [e dificilmente tocadas por outras partes do corpo ou fluidos – pelo menos é o que a gente prefere imaginar]*

— As superfícies da cabine (descarga e assento da privada) por sua vez foram caracterizadas por bactérias tipicamente do intestino humano. Prestou atenção – se não, leia de novo! Acho que esse é um resultado que merece um pouco mais de atenção pois mostra que há contaminação fecal nessas superfícies. E a preocupação reside no fato de que entre essas bactérias intestinais pode haver bactérias enteropatogênicas – ou seja: há risco de transmissão de doença (não que pelas outras superfícies não haja esse risco, mas aqui essa questão se torna bem mais evidente). A presença dessas bactérias pode ser explicada tanto por contado direto das mãos contaminadas, quanto pelo aerosol formado quando a descarga é acionada.

Um dado muito curioso é que em algumas das descargas foram encontradas bactérias tipicamente encontradas no chão, ou seja, parece que tem gente que está dando descarga com o pé! [você pode observar isso na figura 2: na área delimitada em amarelo, ou seja, as comunidades de chão (triângulo), existem três pontos de comunidades isoladas em superfícies de cabine (asteriscos)].

Uma diferença, também bastante lógica, que foi identificada é que a presença de lactobacilos foi notavelmente maior nos banheiros femininos – afinal esse grupo de micro-organismos compreende a microbiota vaginal. Esses micróbios foram encontrados inclusive em maçanetas o que sugere dispersão manual pelas mulheres após o uso do toalete.

Fiquei um bom tempo analisando o gráfico (Fig 3) tentando achar uma explicação para a diferença da contribuição das bactérias da urina nos diferentes ambientes do banheiro, principalmente nas superfícies da cabine: assento do vaso (toilet seat), descarga (toilet flush handle) e chão da cabine (toilet floor). Pensem em como os homens fazem seu xixi que vocês entenderão porquê é estranho não haver grande contribuição de bactérias de urina no chão. Pensou? Então, poderíamos pensar que talvez o chão seja um lugar que seja limpo com maior frequência, e isso fosse responsável por essa diferença – tem lógica, mas não temos dados para afirmar isso. Mas parte da explicação pode estar relacionado ao que foi falado no parágrafo anterior (sobre microbiota vaginal). A grande questão aqui é que não falamos que um homem tenha uma microbiota peniana – como o pênis é um órgão externo, sua microbiota é semelhante a microbiota da pele, e consideramos a ureta como um órgão praticamente estéril. Assim, a identificação de bactérias de urina em praticamente todas as superfície do banheiro deve estar relacionada à forma de higienização das mulheres após o uso do banheiro!

Como disse anteriormente, tirando os pontos que ressaltei acima, os resultados de fato não surpreendem. E antes de finalizar o post, tenho que ressalter que o que o artigo e, por consequência, esse post, pretendem não é levar um quadro de pânico para a população, mas mostrar existem padrões reais de transmissão bacteriana nesses ambiente e, principalmente, como eles ocorrem. Dessa forma, não tem como não citar a importância da higiene para reduzir os possíveis riscos do quadro apresentado – uma medida extremamente simples e que pode ajudar muito, esteja você usando o seu banheiro, um banheiro público, ou mesmo o da casa do Pedrinho: lavar as mãos!

Para finalizar, quero sugerir a leitura de dois outros, ambos aqui no SbBr. O primeiro, no Rainha Vermelha, onde o Atila comenta sobre a utilidade dos sabonetes bactericidas (clique AQUI). O segundo, no Ecce Medicus, em que o Karl comenta sobre como as práticas decorrentes da epidemia da gripe-A H1N1 alteraram o quadro de infecções de corrente sanguínea em uma UTI (veja AQUI).

*O crédito dessa piadinha vai para os próprios autores do artigo – eu tive que reproduzí-la aqui! No paper vemos outras parecidas – é a primeira vez que leio um paper cujos autores explicitam seu senso de humor no texto!

Referência
Flores GE, Bates ST, Knights D, Lauber CL, Stombaugh J, Knight R, & Fierer N (2011). Microbial biogeography of public restroom surfaces. PloS one, 6 (11) PMID: 22132229

9 thoughts on “Aspectos privados da microbiologia

    • 13 de dezembro de 2011 em 11:53
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      @Luiz
      ^^" Demorou um pouquinho mais do que o esperado, mas saiu, hehe!

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  • 13 de dezembro de 2011 em 10:16
    Permalink

    "sobre aquele lugarzinho que a gente só gosta de ir na casa da gente…"<=Ou na do Pedrinho.

    Haver menos bactérias associadas ao trato urinário no chão do banheiro masculino não pode ter a ver com competição com as bactérias de solo?

    Mas o que a pesquisa demonstra é que o pessoal é porco em tudo qto é lugar. Lavar a mão nem pensar né? (Tem mais bactéria na maçaneta de saída do que na torneira...)

    []s,

    Roberto Takata

    Resposta
    • 13 de dezembro de 2011 em 11:51
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      @takata
      Eu quis deixar a casa do Pedriho pro final! Mas a questão da falta de higiene é mesmo um fato, Roberto... - infelizmente. E isso me faz lembrar o congresso de micro onde ninguem lavava a mão antes de ir pro coffee break.

      Acho que pode haver competição sim, mas não sei até que ponto, pois como falei no post não se costuma falar em microbiota associada ao TGU maculino. Geralmente essas associações estão envolvidas em processos patogênicos. Bato nessa tecla porque inclusive se você observar o gráfico (Fig 3), a contribuição das bactérias de solo não muda muito de acordo com a superfície, ao contrário da contribuição das bactérias de urina.

      Resposta
  • 13 de dezembro de 2011 em 14:37
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    " A presença dessas bactérias pode ser explicada tanto por contado direto das mãos contaminadas, quanto pelo aerosol formado quando a descarga é acionada."<=E um terceiro fator - e que qq infeliz usuário de banheiro público sabe - contaminada pelas próprias fezes: às vezes por respingos d'água do choque entre a descarga intestinal e a água do sanitário, às vezes por gotas diarreicas (especialmente na modalidade explosiva), às vezes por mau posicionamento do usuário, às vezes por rodar a meia (aí vai parar até no teto - sim, seria interessantíssimo se tivessem feito amostragem do teto tb), às vezes pelo entupimento que faz com que o conteúdo suba e vaze, às vezes pelos próprios funcionários de limpeza - que usam o mm pano para 'limpar' diversas superfícies, às vezes por insetos e outros seres a passear pelos banheiros...

    Temos q agradecer muito ao nosso sistema imune. Muito mesmo.

    []s,

    Roberto Takata

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  • 13 de dezembro de 2011 em 16:58
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    Excelente post, Samir. Concordo com o Takata, muito pouca gente lava a mão. O pior é que essa afirmação também é verdadeira em hospitais, o que é um absurdo!!

    PS. Takata, só um pequeno comentário. São preferíveis as formas "sistema imunológico ou imunitário" à "sistema imune". Em português, o vocábulo "imune" é um adjetivo que em geral, pede um complemento nominal (imune a que?) o que, obviamente, não se aplica ao sistema que produz tal imunidade. Muita gente fala e escreve "sistema imune" mas as outras formas são preferíveis por não incompatibilizar nome e função.

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    • 13 de dezembro de 2011 em 17:07
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      @Karl
      Sobre lavar as mãos, concordo com o Takata também, Karl. Inclusive foi isso que me fez linkar para seu post, pois acho que ali fica ainda mais claro essa questão!

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  • 13 de dezembro de 2011 em 20:21
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    Excelente post, Sam!

    (Adoooro tascar um "Excelente post", mas, já que questionaram por aí que talvez fosse preferível um comment mais crítico a um mero "Excelente post"...)

    Interessante esse mapeamento bacteriológico em banheiros públicos (dando nome aos bois), mas de certa forma sabemos que tais locais são mesmo antros ambientes propícios para essa proliferação, não? O que espanta mesmo é encontrarem os mesmos tipos de bactérias em bandejas de praças de alimentação em shoppings!!! http://migre.me/78sKR Aaaargh!

    O pessoal anda porco demais!

    "Temos q agradecer muito ao nosso sistema imune. Muito mesmo."

    Sábio Takata!

    Resposta
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