Biodiversidade marinha e terrestre

Neste ano, o internacional da biodiversidade, este assunto será cada vez mais recorrente, como assinalado recentemente em editorial da revista Science (Marton-Lefèvre, 2010). Sua importância não pode ser minimizada, uma vez que as metas estabelecidas durante a Convenção da Diversidade Biológica (2002) não foram cumpridas. Tal como o aquecimento global (fato ou mito? Ninguém sabe realmente), as metas da CBD não foram, nem de longe, atingidas. Segundo a International Union for Conservation of Nature, atualmente 47.677 espécies biológicas encontram-se em risco de extinção, das quais  17.291 são as mais diretamente ameaçadas e incluem 12% de pássaros, 21% de mamíferos, 30% de anfíbios, 27% de corais de recifes e 35% de coníferas e cicadáceas.

Fato surpreendente é o relato recente que a biodiversidade marinha é muito menor do que a biodiversidade terrestre, quando se considera o número de espécies nos dois ambientes. O levantamento mostra que de cada 10 espécies biológicas, 9 situam-se em ambiente terrestre, segundo Richard Grosberg e Geerat Vermeij, da University of California em Davis. Os pesquisadores assinalam que tal distribuição é relativamente recente, uma vez que há 400 milhões de anos, no período Devoniano, a predominância era de espécies marinhas. Contudo, há cerca de 110 milhões de anos as plantas terrestres começaram a sofrer um intenso processo de especiação, e, em paralelo, seus respectivos agentes polinizadores, micro-organismos associados (os assim chamados micro-organismos endofíticos) e predadores herbívoros. Em conseqüência, o número de espécies biológicas terrestres sofreu um enorme incremento, deixando a biodiversidade marinha muito aquém em número de espécies.

Mas tal observação não é nova. Já em 1994, Robert May da University of Oxford (Inglaterra) observou que 85% das espécies macroscópicas situam-se em terra firme, utilizando um levantamento feito com base no registro de espécies até então catalogadas. A disparidade do número de espécies entre ambiente terrestre e marinho é detectável até mesmo em áreas de alta densidade biológica, como em florestas tropicais X recifes de corais: no primeiro caso, pode-se chegar a 475 espécies vegetais e 25.000 espécies de insetos em um hectare de terra, mas em um hectare de recife de coral observa-se “apenas” 300 espécies de corais, 600 espécies de peixes e 200 espécies de algas.

Vários fatores podem, aparentemente, ter influenciado esta diferença, como a muito maior densidade da água quando comparada com a do ar, fazendo com que larvas e sinalizadores químicos sejam transportados com muito mais dificuldade no meio marinho do que no terrestre. Além disso, o maior calor específico da água (quantidade de calor para aumentar de 1 grau Celsius a quantidade de 1 g de água. No caso, 1 caloria) pode tornar os organismos marinhos menos funcionais quando do aumento da temperatura da água, uma vez que a possibilidade de dispersar o excesso de calor torna-se muito mais difícil. Desta forma, o ambiente terrestre seria muito mais propício para os processos adaptativos que regem o processo de evolução através da seleção natural.

Mas os fatores físicos são apenas algumas das justificativas que explicam o porquê da riqueza da biodiversidade terrestre ser tão maior do que a marinha. Com a “explosão” das plantas floríferas há cerca de 110 milhões de anos atrás, estas ocuparam praticamente todos os ambientes terrestres onde podiam se desenvolver. E, em paralelo, as espécies associadas a estas plantas, como de insetos, herbívoros e micro-organismos. Como a dispersão das espécies pelo ar é muito mais rápida e pode atingir longas distâncias, o surgimento de um número excepcional de espécies terrestres foi muito favorecido. Como a dispersão no meio marinho é muito mais difícil, as espécies marinhas tendem a viver de forma aglutinada, formando comunidades de alta densidade populacional – os recifes de corais. Nesta situação, as espécies que vivem intimamente associadas em recifes de corais se tornam particularmente vulneráveis a doenças, predação e fatores ambientais como aquecimento e ocorrência de desastres como maremotos e furacões. Tais fatos já foram extensivamente observados nos corais da região caribenha e das Bahamas, pois estão continuamente expostos a enormes furacões que movimentam as águas oceânicas de maneira extremamente agressiva, deixando um enorme rastro de destruição de corais e suas espécies associadas. São necessárias décadas para que tais recifes voltem a apresentar suas características originais. O mesmo vale para corais da Grande Barreira de Corais da Austrália, que sofrem particularmente com efeito de branqueamento dos corais (morte de zooxantelas e outras cianobactérias) em decorrência de mudanças na temperatura da água bem como nas taxas de dissolução de CO2 na água do mar.

Outro fator que pode ter contribuído para um aumento significativo na biodiversidade terrestre é o aumento significativo na vascularização das plantas superiores com o passar dos anos. Tal fator levou a um aumento importante na biomassa das plantas, e pode ter contribuído para a ocupação de nichos ecológicos ainda disponíveis.

Porém, o quadro geral de distribuição de espécies terrestres e marinhas é um quadro aproximado. Isso porque ainda não se conhece praticamente nada sobre as espécies biológicas que habitam os oceanos profundos. Descobertas recentes indicam uma enorme diversidade de espécies únicas destes habitats inóspitos. Além disso, a importância em melhor se conhecer a distribuição das espécies na Terra se deve não somente para o conhecimento em geral. Muitas espécies apresentam características fisiológicas e anatômicas únicas, que possibilitam conhecer melhor o “sistema vivo” dos organismos, além de podermos esclarecer como a vida surgiu e evoluiu no nosso planeta.

ResearchBlogging.orgMarton-Lefevre, J. (2010). Biodiversity Is Our Life Science, 327 (5970), 1179-1179 DOI: 10.1126/science.1188424

ResearchBlogging.orgPennisi, E. (2010). On Rarity and Richness Science, 327 (5971), 1318-1319 DOI: 10.1126/science.327.5971.1318

ResearchBlogging.orgMAY, R. (1988). How Many Species Are There on Earth? Science, 241 (4872), 1441-1449 DOI: 10.1126/science.241.4872.1441

ResearchBlogging.orgHassell, M., Comins, H., & May, R. (1994). Species coexistence and self-organizing spatial dynamics Nature, 370 (6487), 290-292 DOI: 10.1038/370290a0

Discussão - 1 comentário

  1. Sibele disse:

    Excelente post!
    Devemos lembrar também que é preocupante que, além de ainda desconhecermos toda uma imensa gama de espécies biológicas marinhas não classificadas e devidamente catalogadas, as que existem correm sério risco de extinção, principalmente as espécies mais vulneráveis como os recifes de corais.
    O SBBr, meritoriamente, têm abordado esse importante assunto (para um panorama dessa temática por aqui, veja esses links.
    Quando vemos o poder destrutivo de eventos adversos como o recente ciclone Oli, que devastou os recifes de corais da Polinésia Francesa em fevereiro último (ver a referência abaixo), constatamos que é premente a necessidade de acelerar a descrição dessas espécies marinhas, sob risco de relegá-las irremediavelmente ao desconhecimento, se extintas antes da possibilidade de ser estudadas.
    As técnicas de taxonomia rápida e de alto desempenho, como o recente DNA Barcoding, associadas à taxonomia tradicional, são assim auspiciosas no estudo da Biodiversidade marinha e devem ser amplamente estudadas e disseminadas.
    Então aproveito para disseminar aqui o convite para o II Workshop do projeto “Desenvolvimento da Taxonomia de Porífera no Brasil”, da Rede Temática Monitoramento Ambiental Marinho, que é objeto de convênio firmado entre CENPES/PETROBRAS, UFRJ, UFBA e UFPE.
    O Workshop será realizado no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, de 7 a 9 de julho de 2010 e incluirá apresentação de trabalhos (na forma de painéis e apresentações orais), mesas redondas e palestras sobre taxonomia, ecologia e biologia de esponjas brasileiras. Também serão discutidos as metas e os objetivos já alcançados da Rede Temática e as estratégias para alcançar os objetivos que ainda não foram completados.
    A inscrição é gratuita. Mais informações nos e-mails muricy@mn.ufrj.br ou darleneclem@hotmail.com até dia 30/04/2010.
    Parabéns pelo post! 🙂
    CNRS (2010, March 28). Cyclone Oli deals major blow to French Polynesia's coral reefs. ScienceDaily. Retrieved March 29, 2010, from http://www.sciencedaily.com-/releases/2010/03/100327075904.htm

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