Quando vamos deixar de tratar alunos como ouvintes passivos?

8 horas de trabalho, 8 horas de sono, 8 horas para o que der na telha

8 horas de trabalho, 8 horas de sono, 8 horas para o que der na telha
Fonte: Wikipedia

Em “Cognitive Surplus: How Technology Makes Consumers into Collaborators“, Clay Shirky escreve como ocupamos grande parte do nosso tempo livre – as 8 horas diárias conquistadas com a implementação da semana de trabalho de 40 horas – com a televisão. Um consumo completamente passivo de tempo e cognição passado sozinho, ou em pequenos grupos. Mas a nossa real vocação é outra, como dizem Nicholas Christakis e James Fawler no “Connected: The Surprising Power of Our Social Networks and How They Shape Our Lives“, nossos genes clamam pela participação em redes sociais. Agora, a internet nos fornece o que faltava na TV, a oportunidade de interagirmos e nos conectarmos com outras pessoas. Não à toa, a audiência da televisão vem caindo paulatinamente desde 2006 – a notícia se refere à Globo, mas a tendência é de todos os canais. Só que desta vez, não é resultado do uso do controle remoto como em 2000, a audiência está indo para a internet.
Ignore o problema, mude o nome dele, e quem sabe ele some ¯\_(ツ)_/¯
Ignore o problema, mude o nome dele, e quem sabe ele some ¯\_(ツ)_/¯

O IBOPE insiste em não ver a tendência e chama o fenômeno de convergência de mídias (vide o print acima deste link). Mas o ponto é: as pessoas agora podem interagir. E o fazem sem dó. Como diz Cory Doctorow, o conteúdo não é o principal, o principal é a conversa que ele gera. Não estamos presos ao conteúdo e sim ao que ele nos gera. E, de fato, com a possibilidade de assistir o conteúdo quando e na ordem que queremos – via Netflix ou locadoras suecas – vivemos uma explosão de séries com narrativas mais longas e envolventes, como Game of Thrones, House of Cards, True Detectives, Breaking Bad e outras geradoras de discussões e incontáveis conversas:
Adivinhe que autor/série provoca isso.
Não só escrevemos nossas reações, como escrevemos sobre as reações dos outros.

Aqui sim há conversa de mídia. Como a pesquisa do IBOPE confirma, e eu vivo todos os dias no Twitter, o principal motivo que leva as pessoas a comentarem na internet enquanto assistem programas de TV (66% delas) é a necessidade de expressar sua opinião pessoal. Tudo o que mais queremos é nos expressar. Alias, como bem aponta Clay Shirky, expressar e criar. O que trazia audiência para a TV não era a qualidade da programação – isso podia até contar na disputa entre canais – e sim o tempo livre das pessoas. Afinal, se conteúdo bem produzido fosse a resposta, não veríamos uma audiência massiva em vários vídeos mal gravados/editados/pixelados do YouTube. Ou algo bem mais simples, o compartilhamento e a criação de incontáveis memes. O que explica isso é a vontade de se conectar, se expressar e criar. Ou tudo isso ao mesmo tempo, na nuvem de brasileiros que levou o Zuckerberg a bloquear comentários em seu perfil.
Queremos tanto criar e nos expressar que inundamos mídias sociais. Que criamos e mantemos Wikis sobre todo tipo de assunto. Que subvertemos jogos como o Minecraft criando obras de arte dentro do jogo (e até máquinas de Turing). Que usamos o WhatsApp para criar e circular memes. Como cientistas e educadores, nunca tivemos tantas ferramentas à mão e um público tão ávido por criar, participar e interagir. E o que fazemos com nossos alunos? Mantemos a bunda deles colada na cadeira, como os consumidores passivos de televisão.
O Nerdologia dá um passo tímido no sentido de usar as novas mídias. Ele aceita a realidade da audiência: fala com ela na rede em que está, o YouTube, usando a cultura que ela conhece, seus quadrinhos, filmes, jogos e curiosidades. Além de dar espaço para comentários e conteúdo para promover a conversa – basta ver quantos usam o soco do Flash como argumento em uma disputa de quem seria o mais forte. E mesmo assim, só atinge uma fração da audiência que canais do YouTube podem ter no Brasil (tomando os 10M de assinantes do Porta dos Fundos como teto).
Quando vamos sair do papel de (só) escrever artigos e acreditar que eles vão ser lidos e entendidos pelo mundo, enquanto poderíamos usar mídias de alcance enorme com baixíssimo custo? Por quanto tempo ainda vamos acreditar que os alunos vão repentinamente criar interesse pelo conteúdo sendo ditado em aulas, enquanto ele continua sendo passado da mesma forma há dezenas de anos? E não se engane, lousa, PowerPoint ou projeção holográfica futurística continuam dependendo da mesma aula expositiva que o obriga o aluno a ficar quieto e calado. Passivo.
Quando vamos usar o potencial de alunos que querem participar e interagir em ferramentas como blogs, wikis, Facebook, vídeos e qualquer outra plataforma que use conteúdo criado pelo usuário para motivá-los? Em relação à mídia, estamos vivendo a transição de uma sociedade passiva, que via televisão e consultava fontes “de confiança” que custavam fortunas, para uma sociedade ativa, que ao menos comenta sobre o que está consumindo. Quando não discute, compartilha ou mesmo cria trabalhos derivados. Usando as mesmas ferramentas simples e intuitivas que poderíamos usar para engajá-la. Ou que outros com motivos muito menos nobres vão usar para manipulá-la.


6 responses to “Quando vamos deixar de tratar alunos como ouvintes passivos?”

  1. Belo texto, Átila!
    Me lembrou um livro muito bom do Salman Khan (criador do Khan Academy, uma das maiores redes internacionais de ensino gratuito) sobre novas alternativas a serem utilizadas para a educação.
    Recomendo muito a leitura:
    https://www.goodreads.com/book/show/15898640-the-one-world-schoolhouse

  2. […] Como já venho dizendo, por muito tempo o professor foi tido como o detentor do conhecimento. A única pessoa em sala que teve acesso ao conteúdo e sabe o que os alunos precisam aprender. Hoje a informação está disponível a dois cliques ou uma rolada na timeline do Facebook. Mas continuamos assumindo a postura de que a informação válida é só aquela que vem do professor, na sala de aula. Não ensinamos os alunos a fazer uma leitura crítica da informação que encontram fora da sala de aula, muito menos como se informar melhor. […]

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