Evolução da consciência e direito animal – o debate

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Primata admirando seu reflexo

Aconteceu em São Paulo, na Livraria Cultura, dia 3 de maio de 2010, a palestra “Evolução da consciência e direito animal”. Consciência por si só já é o assunto mais espinhoso e difícil de debater, afinal sobram, e por isso mesmo faltam, definições só pra poder começar a conversa. E misturar a isto “direito animal”, é a mesma coisa que juntar nitroglicerina e um moleque do interior em época de festa junina. “Será que explode?!”
Organizada pelo escritório de advocacia do advogado Rubens Naves [adendo -difícil chamar advogado de doutor. Para mim doutor é quem tem doutorado, mas parece que D. Pedro Segundo estipulou o tal título para bacharéis em direito e eles adoram jogar isto na nossa cara], teve a presença ilustre de Cesar Ades, psicólogo que trabalha com etologia ou comportamento animal e o cientista mais gente boa dos trópicos; Sidarta Ribeiro, famoso neurocientista que foi o braço direito do mais famoso Nicolelis; eu (Zé ninguém) e mais uma porção de pessoas interessantes, alguns amigos e outros nem tanto; e um grupo organizado de um instituto de proteção dos animais.
(veja o prospecto com mais sobre os participantes aqui)
Tudo começou com uma explicação de porque raios um “adEvogado” tem que se meter em assuntos de animais. Naves já avisou que o escritório tem atuado em algumas causas relativas a direitos animais, e citou outros casos emblemáticos como a farra do boi no Paraná e problemas de saúde pública, as sempre presentes zoonoses. Ou seja, o direito tem q estar atento ao assunto sim.
Chegou a hora do bom velhinho falar, Cesar Ades. Como sempre cativou todo mundo com seu jeito moleque e deslumbrado perante a natureza e o comportamento animal. Lembrou que os animais sempre nos acompanharam durante nossa evolução, e que a própria definição do que é ser humano vem mudando conforme vai se entendendo mais o animal. E ele deu aqui vários exemplos de o quanto animais podem se sobressair em relação a nós, com chimpanzés mais rápidos que estudantes universitários [nenhuma novidade aqui], e até corvos resolvendo problemas que uma criança de 5 anos não resolveria [confesso que mesmo este blogueiro não teria resolvido a parada].
Veio então Sidarta tentar buscar as diferenças entre animais humanos e não-humanos. Tamanho de cérebro? Não, golfinhos e baleias tem cérebros maiores e passarinhos com cérebros minúsculos fazem coisas incríveis.
Comunicação? Não também. Animais conversam entre sim das mais diversas e sofisticadas formas.
Capacidade de entender símbolos? Hum…não. Macacos e pássaros podem entender símbolos se forem acostumados a tal.
Então por que “coisificamos”, ou utilizamos os animais como coisas? Bom, isso foi vantajoso pois foi o que nos trouxe até aqui: evoluimos puxados à charrete e comendo um bom bife. E além do mais fazemos a mesma coisificação com os próprios homens, como em Auschwitz. Sidarta conclui que não estaríamos aqui sem nos utilizar de animais (e homens), e que o problema do direito animal toca também o direito humano.
Começa o quebra-pau
Foi então que esquentou. As perguntas começaram inocentes, mas o grupo de proteção animal ficou com uma comichão na cadeira, se remexendo e falando alto. Deu pra perceber o nervosismo antes mesmo de eu entender que aquele grupo estava junto e sob a mesma causa.
Algumas coisas desse grupo me irritaram:
Acusaram o Sidarta de ter usado de ironia na apresentação para sacanear os defensores de animais que ele supostamente sabia que estariam lá. – Não procede. Não houve cinismo e acho que esse pessoal foi com pedras na mão. A atitude deixou isso mais claro.
Não argumentaram, só atacaram. Um dos adEvogados do grupo de defensores usou o brilhante e inédito argumento “e se fosse você sendo torturado para pesquisa em lugar do rato”, o que eu acho bem infantil para um doutor em direito.
Aí a coisa descambou. O Sidarta disse que fato é que mata animais profissionalmente, apesar de não gostar disso e compensar o fato dando um fim maior ao que faz, e enfatizando que a sociedade como um todo, democraticamente, lhe deu este direito.
Perguntou até quem mais matava animais profissionalmente e eu tive que levantar a mão, né (veja aqui o porquê).
[Se bem que se pensarmos bem, profissão é o que se faz por necessidade, se comemos por necessidade, todo mundo que come algum animal está matando profissionalmente, mas esse não foi o ponto levantado]
Na saída da palestra o grupo, que descobri ser do Instituto Nina Rosa, distribuiu CDs com um documentário sobre experimentação animal, que eu prometo assistir e contar pra você.
E é isso, meu amigo. Peço mais serenidade neste tipo de debate.
E para não pensarem que sou tendencioso, afinal eu uso animais no laboratório, veja aqui um relato do debate de uma advogada (o único comentários que achei sobre o debate até agora, inclusive olhando no site do Instituto Nina Rosa).

Os pecados dos animais

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Gatinhos vendo padre
léo na TV

Por esses dias conheci um padre muito interessante por ser polêmico. Não conheci pessoalmente porque está morto. Mas ouvi uma homilia sua sobre o aborto.

O famoso padre Léo e o aborto

Famoso nos círculos católicos, bem de acordo com a renovação carismática dentro da igreja católica, causa polêmica dentro da própria igreja pelo estilo polêmico de pregar. Muito semelhante aos pastores a que nos acostumamos a ver na televisão hoje em dia. O movimento carismático gera esta semelhança com as igrejas neopentecostais ou mais conhecidas como evangélicas.
Mas não sei porque estou dando esta palestra sobre atualidade cristã. O fato é que no discurso sobre o aborto, dispensável dizer que contra o aborto, um dos argumentos usados pelo padre é muito mal colocado do ponto de vista biológico.

Animais: santos ou pecadores?

Para emocionar a audiência, o Pe. Léo cita alguns casos de sua humilde infância na roça: Quando um bezerro morre, sua mãe pára de dar leite. E a família dona da vaca, muito necessitada do leite para o próprio sustento, tem que enganar a pobre mamãe vaca, tirando o couro do filhote e o colocando por cima de outro bezerro. Assim a vaca sente o cheiro de seu filho e não pára de dar leite. Isto seria um sinal de amor da mãe pelo filho.
Ao fim de uma história ele sempre fala: E o homem quer legalizar o aborto.
Outro caso: uma cena que o chocou muito foi quando estava na roça e viu uma ovelha berrando e se contorcendo, esticando o pescoço e gemendo. Tudo por causa de um filhote morto aos seus pés. Esta cena quase o fez chorar junto com a pobre mãe.
E o homem quer legalizar o aborto.
Olhe, não faço apologia ao aborto neste texto, mas devo trazer um ponto importante nesta argumentação: ANIMAIS NÃO SÃO SANTOS.
padre leo e cachorro.jpgUso um exemplo bem conhecido. Cães e gatos: quando uma mãe tem uma ninhada, muito frequentemente a mãe simplesmente renega uma de suas crias, geralmente a mais fraquinha, fazendo com que, sem os cuidados necessários, morra à míngua.
Este é um só exemplo que invalida a estratégia de se usar os animais como ícones de pureza e sabedoria natural. Do mesmo jeito que vacas deixam de dar leite caso seus filhotes morram, elas os deixam morrer caso não fiquem de pé logo depois que nasçam.
E não pára por aí: leões praticam infanticídio; golfinhos estupram fêmeas; macacos seqüestram filhotes até mesmo de outras espécies, como cães, para fortalecerem seu bando; assassinato, pedofilia, incesto e por aí vai.
Usar um ou outro exemplo animal para ilustrar um ponto de vista pode ser muito bem usado no sentido alegórico e fabulesco. Mas neste caso de um dogma da igreja, onde estamos falando (ou tentando falar )de coisas nos seus sentidos mais absolutos, e num assunto tão delicado, devemos tomar cuidado.
Cada macaco no seu formigueiro
Não podemos nos espelhar nos animais pela diversidade comportamental dos mesmos. Caso contrário, por exemplo, poderíamos decidir acabar com as liberdades individuais, tornarmo-nos subservientes a um só rei, e tudo isto só para seguirmos o modelo ideal de uma sociedade natural: um formigueiro. Isto seria certo ou errado?
Ou estaria o padre, por alguma influência hinduísta repentina, querendo dizer que o exemplo das vacas serve porque são mais santas que os outros animais infanticidas? Ou estaria o demônio agindo também no mundo animal como age no mundo do Homo sapiens, os corrompendo e compelindo ao infanticídio?
Cada espécie é igualmente única. Sejamos nós mesmos a medida do homem. O próprio Homo sapiens tem que decidir o que é melhor para si.
Usemos as metáforas animais, não como um naturalista, mas como Esopo: transformando-os em caricaturas nossas.

Bônus:

Padre Léo On Drugs no Jô. Até chá de fita de vídeo ele tomou. Para depois ajudar na recuperação de dependentes.

Na parte 1 ele conta como descobriu que queria ser padre durante a chapação.
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