Cientistas descobrem novas ferramentas para reescrever o código da vida

O poder de editar genes é revolucionário, útil e com potenciais ilimitados. Porém, a maior parte das ferramentas de edição de DNA são lentas, caras e difíceis de usar – é uma brilhante tecnologia na sua infância. Agora, pesquisadores de Harvard desenvolveram uma técnica que pode editar genomas de uma forma rápida e fácil, reescrevendo o genoma de células vivas. A técnica funciona como um processador de textos, que tem as funções de localizar e substituir. Ele reconhece uma seqüência específica no DNA e a substitui por outra.

“Pela primeira vez, estamos demonstrando que é possível fazer mudanças genômicas no nível do códon”, disse Farren Isaacs, um bioengenheiro da Universidade de Yale em New Haven, Connecticut. “Nós seremos capazes de introduzir novas funcionalidades em organismos”.

A técnica, publicada na revista Science, explora a redundância do código genético. Os aminoácidos, que compõem as proteínas, são codificados por combinações de três letras de DNA chamadas códons. Múltiplos códons às vezes codificam o mesmo aminoácido, por isso se diz que o código genético é degenerado ou redundante.

Isaacs e seus colegas escolheram um códon de parada, TAG, que, junto com o TAA e TGA, sinalizam o fim de uma cadeia de aminoácidos e a liberação da proteína formada. Como esses três códons apresentam a mesma função, os pesquisadores decidiram apagar todos os TAGs do
genoma de uma Escherichia coli e substituí-los por TAAs, utilizando uma plataforma chamada “multiplex automated genome engineering, ou MAGE”. Isso deixa o TAG livre para codificar um novo aminoácido.

Foram sintetizadas 314 fitas de DNA idênticas ao genoma da E. coli exceto que todos os TAGs, nas 314 fitas ao todo, estavam substituídos por TAAs. Em outras palavras, cada uma das 314 fitas não tinha todos os TAGs substituídos por TAAs, mas as 314 fitas juntas sim! Eles então aplicaram corrente elétrica para permitir a entrada do novo DNA nas células. Muitas repetições desta técnica resultaram na obtenção de 31 linhagens da bactéria com 10 dos genes modificados e uma com 4. A equipe bolou um esquema para canalizar todas as 314 mutações para uma célula. Os pesquisadores fizeram uso da habilidade que as bactérias têm de transferir genes para outras bactérias, a conjugação: as 32 linhagens foram pareadas, sendo que uma linhagem doou seus genes mutados para a outra. As 16 linhagens resultantes foram pareadas para formar 8, e novamente para formar 4, condensando as mutações ao longo desse processo. O processo foi batizado “conjugative assembly genome engineering (CAGE)”.

Ansiosos para compartilhar sua tecnologia, eles publicaram seus resultados assim que o CAGE atingiu a rodada semifinal. Os resultados sugerem que as quatro linhagens finais são saudáveis, mesmo com a quantidade de mudanças a que as células foram submetidas.

Após mais duas rodadas de CAGE, segundo Isaacs, uma única linhagem da bactéria conterá todas as 314 mutações e será livre de TAG, que ficará disponível para codificar um aminoácido artificial. Isso desafia as pessoas a imaginarem o genoma como algo muito maleável e editável. Alguns laboratórios já criaram esses aminoácidos, assim como a maquinaria necessária para incorporá-los em proteínas. “O grande avanço aqui é que nós teremos um hospedeiro que permitirá a incorporação de aminoácidos artificiais a taxas muito superiores”, disse Isaacs.

Estes organismos engenheirados seriam geneticamente isolados de outros organismos. A nova informação genética não seria capaz de contaminar organismos naturais porque, fora do laboratório, os aminoácidos naturais no lugar dos artificiais criariam proteínas não funcionais. Além disso, esses organismos seriam imunes a vírus que se baseiam na tradução protéica tradicional – importante para manter linhagens saudáveis e úteis industrialmente. A importância da imunidade viral reside no fato de que indústrias nas quais são cultivadas bactérias, como as farmacêuticas e energéticas, esses vírus podem afetar até 20% das culturas. Um exemplo notável acometeu a Genzyme, cujas perdas devido a contaminações virais podem ter variado de milhões de dólares a até $1 bilhão.

“Essa técnica é mais barata que tentar elaborar genomas a partir do zero. Ao modificar genomas existentes, a maior parte do trabalho já está feita”, disse o co-autor George Church, um geneticista da Harvard Medical School em Boston, Massachusetts.

Cientistas do J. Craig Venter Institute (JCVI), que no ano passado “criaram” a primeira bactéria controlada por um genoma sintético, dizem que o método traz coisas importantes para esse campo de estudo, mas só funciona na prática se o genoma desejado é similar a um organismo existente. “Ultimamente, no JCVI nós estamos tentando fazer células a partir do zero, e apenas uma síntese genômica de novo tornaria isso possível”, disse um porta-voz do Instituto via email.

As duas técnicas provavelmente serão usadas em conjunto, disse Isaacs. “Não surpreenderia se essas tecnologias se unissem e nós começássemos a ver técnicas híbridas inclusive mais poderosas do que as que vemos hoje”.

Referências:

Precise Manipulation of Chromosomes in Vivo Enables Genome-Wide Codon Replacement  Isaacs, et al. Science 15 July 2011: 333 (6040), 348-353. [DOI:10.1126/science.1205822]

http://www.eurekalert.org/pub_releases/2011-07/hms-etg071111.php

http://www.nature.com/news/2011/110714/full/news.2011.419.html

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