Antes tarde do que nunca

“O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vai acrescentar, na plataforma eletrônica Lattes, que traz currículos e atividades de 1,8 milhão de pesquisadores de todo o País, duas novas abas para divulgação pública. Em uma delas, os cientistas brasileiros informarão sobre a inovação de seus projetos e pesquisas; e na outra, deverão descrever iniciativas de divulgação e de educação científica.”

A matéria do jornal da ciência anunciando que finalmente o CNPq, o conselho nacional de ciência e tecnologia, vai reconhecer divulgação científica como produção científica é um alento para a sociedade, para os cientistas e para os blogueiros. A sociedade porque financia a ciência com os seus impostos mas não é capaz de entender os artigos científicos extremamente técnicos que órgãos financiadores exigem, e os cientistas porque vão poder divulgar seu trabalho e se aproximar do seu público sem que isso signifique ‘desperdício’ do tempo que deveria ser investido em artigos técnicos. Finalmente, para os blogueiros, que vêm fazendo essa divulgação sem nenhum apoio dos órgãos de fomento ou dos seus próprios pares. Tomara que os alunos de pós-graduação percebam a importância de divulgar seus trabalhos para a sociedade e, ao escrever, praticar a sua escrita.

As metáforas científicas no discurso jornalístico

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Hoje dei uma palestra sobre Escrita Criativa em Ciência na III Escola Temática de Química da UFRJ cujo tema era Divulgação Científica. Na palestra anterior a minha, um aluno perguntou que ferramentas poderiam ser utilizadas para sensibilizar o público da presença da ciência no nosso dia-a-dia.
Uma possível resposta para essa pergunta foi dada pelo nosso colega blogueiro e físico da USP-Ribeirão Osame Kinouche, com a psicóloga Angélica Mandrá, no ótimo artigo “Metáforas científicas no discurso jornalístico”. Meus amigos jornalistas deveriam adorar. Quando conversei com eles pela primeira vez sobre esse assunto, no I EWCLiPo, fiquei pasmo: era óbvio e eu nunca tinha pensado a respeito.
O que só torna a percepção deles mais genial: existem dezenas de termos utilizados na linguagem formal e informal cuja etimologia é científica.
As mais fáceis de reconhecer são termos da geometria Euclidiana como Ponto de vista; Linha de raciocínio; Traçar um paralelo; Analisar por outro ângulo; Volume de conhecimentos; Plano pessoal; Círculo de amizades e Triângulo amoroso.
É verdade que o oposto também é verdadeiro, e os cientistas se aproveitam de termos coloquiais com forte apelo imagético/sensorial para criar expressões científicas que possuem forte carga metafórica: barreira entrópica, relevo de energia, poço de potencial, ruído branco, paisagem rugosa, rede cristalina, buraco negro, supercordas. Termos mais simples como “carga”, “corrente”, “fio”, “pressão”, “resistência”, “campo” etc. também são etimologicamente anteriores ao seu uso científico.
Algumas vezes a comunicação tem ruído e as metáforas não funcionam bem. E com conseqüências relativamente sérias para o aprendizado de alguns conceitos em física: as palavras “aceleração”, “força”, “peso”, “trabalho”, “energia”, “calor”, tem sentidos coloquiais diferentes do técnico. Ou você não sabia que o que chamamos de ‘peso’ na verdade é a ‘massa’ de um corpo, e que o peso mesmo é a resultante da ação da gravidade nessa massa?! E dai?! Você pode dizer. Bom, você pode achar que isso não tem importância, mas dá um nó na cabeça dos alunos tanto no ensino médio quanto depois na faculdade de física. E nós já temos problemas suficientes para formar todos os físicos que o Brasil precisa.
A saída acha pelos cientistas para minimizar essa confusão não ajuda em nada a aproximar a ciência do cidadão leigo. Eles criam neologismos radicais, com um mínimo de sentido metafórico: quark, próton, entropia, entalpia, fractal, quasar etc. Mas mesmo assim, esses termos acabam chegando metaforicamente a linguagem comum, como já acontece com entropia (como metáfora para desordem) e fractal (como metáfora para organização em vários níveis). Não é um barato?!
Para vocês terem uma idéia, numa análise do número de vezes que os termos ‘pêndulo’ (física clássica) e ‘buraco negro’ (física moderna) são utilizados metaforicamente em aproximadamente 50% dos textos jornalísticos dos portais da Folha de São Paulo, do Estado de São Paulo e do G1 (confira o artigo para ver os números exatos).
O uso desses termos também demonstra que o uso metafórico de termos técnicos científicos serve para aumentar o potencial de expressão criativa do cidadão comum, ou mesmo um reconhecimento mais correto do mundo que o cerca, porque amplia ou expande a sua compreensão: termos como “forças políticas”, “equilíbrio de poder”, “fonte de atrito”, “tensão social”, sugerem a visão mecanicista da sociedade como uma máquina, que remete a física clássica determinística de Newton. No entanto, muitos desses fenômenos não tem nada de determinísticos. E a medida que aumenta a compreensão dos cientistas de fenômenos não lineares, como aqueles governados pela teoria do Caos, novos termos que expressam mais corretamente a incerteza relacionada aos fenômenos, como “efeito borboleta”, se incorporam a linguagem e permitem a representação mais correta dessas idéias.
Isso é muito importante porque, como dizem os autores, “Nosso repertório metafórico não apenas limita nossa capacidade de falar sobre tais sistemas, mas afeta nossa maneira de concebê-los e interagir com eles.”
Osame e Angélica terminam concluindo que o pensamento, o ato da cognição, é metafórico e usamos metáforas para compreender um conteúdo-alvo abstratos a partir de um conteúdo-origem concreto. Ao enriquecer o repertório conceitual da população, a educação e a divulgação científicas produzem novas metáforas no discurso comum, que permitem a melhor descrição de sistemas complexos como os sistemas sociais e econômicos.
Se você se interessa por ciência e por divulgação científica não pode deixar de ler.
PS: E olhem só, apesar de eu ter conversado apenas um pouco com um e outro tempos atrás pelo grande interesse que o assunto me despertou, ainda ganhei uma menção nos agradecimentos. Obrigado!

Dawkins, uma desilusão.

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A morte de um ídolo comove seus fãs. Mesmo que o ídolo seja Michael Jackson. Como cientista, meus ídolos não são tão conhecidos, mas nem por isso a morte de um deles me comove menos. Foi o caso da morte de Stephen Jay Gould, o grande biólogo evolucionista, em 2002.
Por isso, quando a programação da FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) desse ano trouxe o nome de Richard Dawkins, sabia que não podia perder a chance de ver de perto um dos meus ídolos vivos.
Dawkins é o autor de “O gene egoísta” que foi um um livro determinante para mim quando o li pela primeira vez em 1990, então estudante dos primeiros anos de Biologia na UFRJ. Com riqueza de exemplos e grande criatividade, Dawkins sugere uma razão, na verdade uma justificativa, para a evolução das espécies (o egoísmo dos nossos genes, que nos usam como máquinas de procriação) usando nada mais que a seleção natural proposta por Darwin 150 anos atrás.
Nessa mesma época, eu tinha meus primeiros sérios embates com a religião. Eu fui criado em um ambiente politeísta, estudava em um colégio católico mas frequentava também a Umbanda com minha mãe, que sempre gostou de ‘bater tambor’. Eu já não acreditava mais em um ‘Deus tradicional’, mas ainda tinha dificuldade de abandonar a idéia do “sentido da vida”. O livro de Dawkins me ajudou a ver a beleza de uma ‘vida sem sentido’.
O livro ainda foi importante para me ajudar em outro embate (o primeiro de muitos que se seguiriam), dessa vez com um rapaz evangélico que estagiava comigo na carcinocultura (cultivo de camarões) da Fazenda Santa Helena. O rapaz (que o nome eu sinceramente não me lembro) era um abastado estudante de uma escola agropecuária e, como não tinha formação científica, nós debatíamos questões técnicas e pessoais, armados com nossos livros de cabeceira: eu com o ‘Gene egoísta’ e ele com a ‘Bíblia sagrada’. A fé do garoto era de uma irracionalidade tão forte, que ajudou a fortalecer a minha razão.
Talvez por isso, quando Dawkins lançou o livro “Deus, um delírio”, não me interessou. Sabia que o livro não era para mim, que já havia me convertido ao ateísmo com o “gene egoísta”. Sabia que o livro era para os não cientistas que, como eu, precisavam de uma boa argumentação para encontrar a beleza na vida sem razão de ser.
Mas ainda assim, como ateu, cientista, leitor e fã (não necessariamente nessa ordem), eu não poderia perder a palestra de Dawkins na FLIP. E, provavelmente, pelas mesmas razões, fiquei tão desiludido com ela.
Mesmo com o Edu avisando dos perígos da FLIP, eu tinha convicção que seria um evento imperdível. A mediação do respeitado jornalista Silio Boccanera, correspondente internacional da Globo por mais de 30 anos, parecia perfeita para introduzir a personalidade internacional ao público e a FLIP o evento mais aproximar um cientista ao público leigo.
Mas não foi.
Dawkins parecia ter pressa. Começaram a entrevista avisando que ele apenas ‘assinaria o nome’ nos livros durante a sessão de autógrafos que se seguiria (nenhuma outra fila da FLIP andou tão rápido). Assim como parecia temeroso da reação da plateia, provavelmente tão católica quanto o resto do nosso país, que é reconhecidamente um dos países mais católicos do mundo (tanto que estava circulando por Paraty com guarda-costas!). Mal sabia ele que o público de ‘descolados’ da FLIP aplaude, entusiasticamente, qualquer coisa que seus autores falem.
Silio foi conivente com esse Dawkins apressado e apreensivo. Colaborou para que ele pudesse se expressar superficialmente, no que mais parecia um FAQ (aquela lista de ‘perguntas mais frequentes’) das críticas mais comuns a ciência, ao ateísmo e as suas idéias. Só que era uma FAQ para um público de radicais de Oklahoma e ele mostrou um total desconhecimento do público brasileiro. Um daqueles ‘bonecos do posto’ faria uma mediação tão boa quanto Silio, que pra completar, resumiu e distorceu minha pergunta que, como vocês podem ver abaixo, era sobre o fim da seleção natural e não da evolução.
Abre parenteses: A pergunta, que por escrito era “A medicina cura deficiências genéticas ou causadas pelo ambiente, humanos em posições hierárquicas mais altas na sociedade estão reproduzindo menos que aqueles em posições mais baixas, porque têm menos tempo. Será o fim da seleção natural do mais adaptado como Darwin concebeu?” foi resumida como “Será que ainda estamos evoluindo?”. Essa resposta eu mesmo já sabia. Fecha parenteses.
Os aplausos entusiasmados da platéia ao final não me comoveram, nem me consolaram (eu cheguei a comentar a ba-ta-lha que foi para conseguir o ingresso?).
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Para mim, Dawkins continua sendo um gênio, mas a serviço da divulgação científica, não chega aos pés de Carl Sagan. E a serviço do mercado editorial internacional, não é mais digno da cátedra de “Compreensão Pública da Ciência”, criada para ele em Oxford em 1995 e que ele deixou em 2008.
Da próxima vez que ver o nome dele em uma palestra, seguirei o conselho do próprio Dawkins na dedicatório do livro “A grande história da evolução” (que eu comprei para depois ele acabar autografando com um rabisco) ao grande biólogo John Maynard-Smith (veja abaixo), e se o velho Maynard-Smith não estiver na platéia (o que é infelizmente impossível desde 2004) nem me disporei a assisti-la.
Se você não acredita em mim, ouça você mesmo como foi.

Dawkins na FLIP 2009. Início (25 min)
Dawkins na FLIP 2009. Meio (25 min)
Dawkins na FLIP 2009. Fim (21 min)
PS; Dawkins escreve na dedicatória: “Não ligue para as conferências e seminários, deixe para lá as excursões guiadas aos pontos turísticos, esqueça os recursos audiovisuais sofisticados, os radiomicrofones. A única coisa quer realmente importa em uma conferência é que John Maynard Smith esteja presente e que haja um bar espaçoso e acolhedor. Se ele não puder comparecer nas datas que você tem em mente, trate de remarcar a conferência […]. Ele vai cativar e divertir os jovens pesquisadores, ouvir as histórias deles, inspirá-los, reacender entusiasmos que talvez estejam arrefecendo e os mandará animados e revigorados de volta a seus laboratórios ou lamacentos campos de pesquisa, ansiosos para experimentar as novas idéias que ele generosamente compartilhou”.

Quando é legítimo uma descoberta científica ser divulgada publicamente?

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Quando recebi um e-mail ontem convidando para o evento acima, fiquei entusiasmado. O tema de grande importância e o time é de feras.
Isso me lembrou de parte do texto que escrevi na proposta para solicitar fundos para o II EWCLiPo (o encontro de blogueiros de ciência em português). É sobre a diferença no enfoque da ciência pelo cientista e pelo jornalista.
Um artigo publicado na revista Nature (vol 458, Março de 2009) mostra que muitos jornais estão fechando suas seções de ciência enquanto jornalistas científicos ficam sobrecarregados e cada vez mais dependentes dos press releases de RPs. Isso tem acontecido nos estados unidos, Europa e também no Brasil.
Apesar das queixas dos jornalistas de ciência, as redações dos jornais mostram duas coisas: primeiro que as seções de ciência não dão lucro (e por isso estão fechando). O público tem uma grande afinidade com a ciência, mas não busca ciência todos os dias (uma tendência medida nos sites dos grande jornais do mundo). A segunda, e bem mais triste, é que os jornais perceberam que podem capturar audiência com ciência de má qualidade e sensacionalismo. Na maior parte dos casos, seria melhor não ter ciência alguma.
Hoje grande parte do jornalismo científico é feito com base em press releases e existem algumas agências de notícias que se especializaram até mesmo em publicar citações de cientistas famosos, para que os jornalistas possam ‘referenciar’ os press releases. Para que se dar ao trabalho de perguntar ao cientista se uma agencia já coloca na sua mão o que ele disse?
O artigo da nature continua dizendo que a ciência, como toda empreitada humana, está sujeita a (e cheia de) falhas, preconceitos e egos inflados; e precisamos muito de jornalistas para filtrar esse tipo de coisas. Mas o diálogo entre pesquisador e jornalista é muito difícil. Enquanto o jornalista quer a contundência, o cientista não abre mão da incerteza; enquanto o jornalista tem pressa, o cientista tem cautela. Os jornalistas querem que os cientistas reconheçam suas necessidades, mas não querem reconhecer as necessidades dos cientistas.
O resultado é que quem escreve os press release tem grande influência sobre o que o público vai ler sobre ciência, e por isso as instituições de pesquisa estão contratando os jornalistas científicos e montando assessorias de imprensa e escritórios de relações públicas científicas. Para escapar desse tiroteio, os cientistas estão mirando no grande público através da internet. Não só para publicar/divulgar seus trabalhos, mas também para ‘traduzirem’ os temas científicos para o público leigo, principalmente através de blogs (como esse!).
Os (nós) blogueiros se consideram uma fonte de informação científica confiável para o grande público. E são! Atualmente, mais que os jornalistas.
Mas vejam, os blogueiros não querem substituir (e nem poderiam) os jornalistas. Principalmente porque querem ter compromisso apenas com eles mesmos e publicarem o que quiserem. E por mais essa razão, sempre será necessário ter jornalistas profissionais sendo pagos para escreverem sobre o que está sendo publicado em um determinado momento.
De qualquer forma, em um país de tantos excluídos, a “exclusão científica” da população é uma das mais graves, porque as pessoas estão ouvindo falar de genoma, vacina gênica, transgênicos, mutantes, clones, células tronco… sem ter noção de como avaliar o quanto as informações que chegam até elas são verdadeiras.
Acredito que a descoberta científica é um processo e que esse processo possui marcos e que é legítimo que o cientista divulgue o processo e os marcos, mesmo antes da descoberta. Para aumentar ainda mais a credibilidade, seria importante que esses marcos fossem determinados a priori, no momento em que se estabelece o desenho de um experimento ou de um projeto, evitando rompantes de exibicionismo. Mas não deve haver a menor dúvida da importância de se divulgar essas descobertas, tanto para prestar contas a sociedade (que é a grande financiadora da atividade científica) quanto para mostrar a sociedade a importância do pesquisador.
Espero que esses assuntos sejam discutidos amanhã, e estarei lá pra ver.

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