Borboletas, esses seres nanotecnológicos

Apesar de ter feito o maior frio aqui em Porto Alegre nos últimos dias, com tempo fechado e chuva, essa manhã de domingo que marca o início do horário de verão está bastante agradável. Os passarinhos estão cantando, o céu está azul, a temperatura está amena e o sol faz um efeito bonito nas asas das borboletas que vejo daqui da minha janela. Há borboletas azuis, amarelas e vermelhas, lindas! Difícil achar quem não goste de borboletas… Em muitas culturas, a borboleta é símbolo de renascimento, transformação e geralmente está associado ao mundo espiritual – provavelmente pelo fato de que a borboleta passa por vários estágios de maturação (lagarta, crisálida, borboleta).

O que pouca gente sabe é que as cores que vemos estampadas nas asas de muitos gêneros de borboletas, como a morfo azul, e que são tão agradáveis aos nossos olhos são fruto de uma nanotecnologia altamente refinada. Sim, as borboletas são seres nanotecnológicos! Vou explicar… As cores que vemos nas asas das borboletas se devem a estruturas nanométricas altamente organizadas (parecidas com plaquinhas) presentes nas asas. Essas plaquinhas fazem com que a luz que bate nelas seja espalhada apenas em certas direções e em certos comprimentos de onda, e é isso que vai definir a cor que veremos. O grau de organização das plaquinhas é parte fundamental desse processo, porque os espaços entre elas são exatamente da mesma dimensão que o comprimento de onda da luz espalhada. Só para exemplificar, se as plaquinhas estão organizadas de forma que os espaços entre elas tenham o tamanho do comprimento de onda da luz azul, veremos justamente essa cor. Se as plaquinhas estiverem completamente desalinhadas, sem organização nenhuma, os raios de luz de todos os comprimentos de onda serão espalhados em todas as direções indistintamente – e veremos a cor branca, que é a soma de todas as cores.

Os físicos chamam as estruturas nanométricas que espalham luz e causam o efeito de iridescência, de cristais fotônicos. Cada asa de borboleta possui diferentes tipos de cristais fotônicos: alguns mais organizados, que resultam na cor azul, outros menos organizados, que resultam na cor verde (que é a soma do azul e do amarelo), e por aí vai. As plaquinhas nanométricas nas asas das borboletas são compostas por quitina, que é aquela substância que também compõe a carapaça de camarões e é matéria-prima para fabricar a fibra alimentar quitosana.

Como explicado aí em cima, o ordenamento dos cristais fotônicos é fundamental para controlar a forma como a luz vai se propagar. Esse princípio tem sido bastante utilizado na área de telecomunicações, nos estudos para o desenvovimento de displays interferométricos que prometem cores mais brilhantes e vívidas e até mesmo nos mais recentes cosméticos. Sim, nos cosméticos! A empresa L’Oreal vem desenvolvendo estudos para “imitar” o efeito de iridescência das asas das borboletas, e chama essa tecnologia de maquiagem fotônica. Realmente, borboletas são seres inspiradores…

Glossário:

Iridescência: fenômeno que faz certas superficies refletirem as cores do arco-íris. Essa propriedade não é exclusividade das asas das borboletas – pode ser vista também nos besouros, cigarras, bolhas de sabão, caudas de pavão, escamas de peixe, entre outros.

UPDATE 19/10/2009: Começa hoje a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, uma iniciativa do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) do Brasil. Se você clicar aqui, terá acesso à programação e poderá reparar que a imagem escolhida para ilustrar o evento é a maturação de uma lagarta em borboleta azul. Espero que, depois de ler esse post, você possa “enxergar” ali um símbolo que transcende a ideia de transformação. Afinal, depois de saber que as asas das borboletas são dotadas de cristais fotônicos, elas bem que poderiam ser consideradas símbolo de tecnologia altamente refinada, você não acha?

Discussão - 10 comentários

  1. Anonymous disse:

    Fe! que lindo! as borboletas são com certeza tecnologia altamente refinada.. hehe amei esse post. beijos
    Lila

  2. Anonymous disse:

    Cristais borboletônicos, que lindo isso! ah Fê da uma olhada que na PLOS saiu uma materia sobre a nanotecnologia das diatomaceas 🙂
    Felipe o Amigo de wigner

  3. Candice disse:

    Fer
    Adorei a matéria das borboletas. Já está virando rotina ler teu blog! Parabéns pelo sucesso com as palavras. Um beijao CANDI.

  4. Julio Cesar disse:

    Adorei a matéria,
    Na época de faculdade o tema do meu TCC foi nanotecnologia voltada à saúde, abordamos também outras novidades que envolvem a nanotecnologia como tinta para carro, nano robôs... nano tubo de carbono..
    Beijos e parabéns

  5. Erica Weick disse:

    Fernanda,
    Belo blogue! Gostaria de citar algumas de tuas coisas no meu blogue onde falo de borboletas da Mata Atlantica. Voce teria "nano-fotos" da estrutura das asas para minha proxima postagem? Ou referencias para a internet? Sou poeta, brasileira e norte-americana e moro nos States. Thanks, Erica #prosasemilinear.blogspot.com#

  6. Fernanda Poletto disse:

    Oi, Erica
    Obrigada pela visita. Infelizmente não tenho fotos de microscopia eletrônica das asas de borboletas ...
    Abraços,
    Fer

  7. Marcos MacGyver disse:

    Fernanda, tudo muito bem, mas não é a organização que define a cor e sim a espessura, o importante saber que o indice de refração da quitina é maior que do ar e quando a luz entra ela reflete com uma diferença de fase de Pi. Se a espessura da plaquinha for 1/4 do comprimento de onda multiplicado pelo indice de refração ela ira refletir na segunda superficie sem defazagem mas o caminho optico sera de Pi, logo da uma interferencia construtiva para o comprimento de onda selecionado pela espessura da plaquinha. Qualquer duvida pode me mandar um e-mail. Fico no Lab de nanotecnologia do CBPF. Um abraço

  8. Fernanda Poletto disse:

    Oi, Marcos
    Um cristal fotônico perfeito é periódico (portanto, altamente organizado) e por isso apresenta band gaps bem definidos. No entanto, podem ocorrer imperfeições nesses cristais (induzidos pela mudança do comprimento da cavidade óptica, ou pela mudança na natureza de um dos componentes – que gera alteração na diferença de índices de refração e, portanto, na permissividade dielétrica) que levam a níveis de energia discretos nesse band gap. Dessa forma, não está incorreto afirmar que a organização do sistema afeta a cor percebida.
    No entanto, entendi sua colocação. Se assumirmos que as plaquinhas têm o mesmo tamanho, podemos inferir que numa superfície com plaquinhas homogeneamente distribuídas teremos um único comprimento de cavidade. De fato, relendo o texto, vejo que infelizmente isso não ficou claro quando me referi a alto grau de organização - mas a ideia era essa. Considerando esse pressuposto, entenda-se "plaquinhas completamente desalinhadas, sem organização nenhuma" como espalhamento de luz de diferentes comprimentos de onda (devido à formação de cavidades de diferentes tamanhos).
    Comentários de especialistas sempre tornam os posts mais ricos. Obrigada pela visita.

  9. Maria Lionzo disse:

    Pois é, existem diversas causas para a ocorrência de cores. Entendo o que a Fernada quer dizer quando fala em organização no sentido de periodicidade, pois as estruturas estão ordenadas como cerdas em uma escovinha tal como aquelas de limpar bomba de chimarrão (exemplo pouco lírico, admito), não deixando de serem organizadas. Se elas tivessem distâncias distintas, veríamos um somatório de várias cores, cada cor correspondendo a uma distância diferente entre essas estruturas. Isso se dá, pois a cor resultante dependerá da distância entre as estruturas e do índice de refração, como comentou o Marcos. Aliás, o capítulo 40 do livro Fundamentals of Physics (Autores: Halliday, D; Resnick, R; Walker, J), no problema 40.6 apresenta uma explanação completa desse fenômeno. Lá também é possível encontrar uma foto de microscopia dessas estruturas. Parabéns pelo blog! Essas discussões são muito proveitosas. Abraços.

  10. Fernanda Poletto disse:

    Oi, Maria!
    Honrada com seu comentário aqui. Obrigada pelos esclarecimentos - como mencionei antes, a participação de especialistas complementa bastante os posts (e eu sempre acabo aprendendo mais um pouco).
    Abração,
    Fer

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