Cultivo protegido ou plasticultura?

Agricultura protegida e plasticultura são a mesma coisa? Nas regiões tropicais, como o Brasil, sim. O cultivo sob ambiente protegido surgiu no norte da Europa, no século XVII, com as orangeries, construídas por grandes Casas aristocráticas com o objetivo de ter, no clima frio setentrional, disponibilidade das doces frutas tropicais ou subtropicais, como as laranjas, que deram nome às estruturas. Eram feitas de vidro que, ao capturar a radiação infravermelha no interior das estruturas, criavam o efeito estufa e permitiam calor suficiente para se cultivar. Isso deu origem à ainda hoje florescente agricultura protegida de países como a Holanda.

Dois fatores foram essenciais para o avanço do cultivo protegido em escala comercial no mundo e, particularmente, nos trópicos. O primeiro foi o entendimento das necessidades nutricionais das plantas e as formas sob as quais os nutrientes são absorvidos – isso tornou possível técnicas como a fertirrigação e a hidroponia. O segundo fator foi o desenvolvimento, na década de 30 do século XX, de filmes de polietileno, possibilitando a substituição do vidro pelo plástico.

Em 1948, o Professor Emery Myers Emmert, da University of Kentucky, usou pela primeira vez um filme de polietileno como cobertura de uma estufa, em substituição ao vidro. O advento do polietileno de baixa densidade substituindo o vidro possibilitou, por sua vez, o surgimento e a adoção crescente da agricultura em ambiente protegido nos trópicos. O plástico ainda permite a criação do efeito estufa, mas em menor intensidade do que o vidro. Nas regiões mais quentes e úmidas do mundo, a agricultura protegida é realizada por outras razões que simplesmente a proteção contra o frio. Aqui, o objetivo é proteger as culturas, principalmente hortaliças e ornamentais, da chuva, do vento, da luminosidade excessiva, das pragas e doenças.

Em grande parte do Brasil, a chuva em excesso é grande inimiga da produção de hortaliças. É necessário lembrar que nesse tipo de produção, o que conta não é apenas a quantidade produzida, mas também a qualidade, inclusive visual, do que se produz. As intempéries, assim como insetos e microrganismos, podem afetar negativamente a qualidade física e organoléptica das hortaliças.

Tanto sob estruturas protegidas quanto em campo aberto, a utilização de mulches plásticos tem aumentado. O objetivo principal é o controle de plantas invasoras – com a cada vez mais intensa urbanização da população brasileira, falta gente para trabalhar no campo e soluções que demandem pouca mão de obra têm ganhado popularidade.

A cobertura plástica sobre o solo impede o crescimento das espécies invasoras ao impedirem que a luz do sol chegue às mesmas e ao mesmo tempo em que diminui a necessidade de mão de obra, previnem o uso de herbicidas. Vale ressaltar ainda que essas coberturas podem auxiliar na economia de água, diminuir as variações de temperatura e até mesmo ajudar a controlar insetos praga, visto que plásticos de cor branca parecem confundir os insetos e impedir que cheguem às plantas cultivadas.

A produção de hortaliças é uma alternativa atraente para o produtor rural em termos de geração de renda, embora seja reconhecidamente uma atividade de maior risco do que outros tipos de cultivos, principalmente pela maior vulnerabilidade a problemas de fitossanidade, desordens fisiológicas e condições climáticas. Além dos efeitos deletérios sobre a produção, a qualidade do produto pode também ser comprometida.

O cultivo de hortaliças sob ambiente protegido pode ser considerado um passo adiante na tendência de se manejar o ambiente do agroecossistema visando minimizar as condições potencialmente estressantes que pudessem comprometer a produção agrícola. Além de melhorar o controle sobre disponibilização de nutrientes e água e de prevenção ao ataque de pragas e patógenos, o cultivo protegido introduz algum controle também sobre o microclima ao modificar mais ou menos drasticamente a temperatura, a umidade e a luminosidade.

Uma das principais finalidades do cultivo protegido moderno é o plantio das culturas, normalmente hortaliças, em períodos (ou locais) em que as condições climáticas não são adequadas ao cultivo não protegido. Nestes períodos, a oferta dos produtos no mercado é mais baixa e sua cotação mais elevada. Além das questões climáticas e mercadológicas, o plantio de hortaliças em ambientes protegidos pode evitar ataques de pragas e patógenos, reduzindo a aplicação de produtos químicos biocidas, embora no cultivo em solo a incidência de doenças possa ainda ser um problema se práticas culturais tais como a rotação de culturas não forem convenientemente adotadas.

Hortaliças e inflação

As hortaliças têm sido acusadas de contribuírem para o aumento da inflação, em grande parte devido à sazonalidade de oferta e de preços ao longo do ano, ou seja, por grandes variações nos preços dependendo da quantidade de oferta dos produtos hortícolas de acordo com as estações. Isso parece acontecer particularmente com as espécies tomate, cebola, batata, cenoura e alface. Essas espécies não são produzidas em todas as regiões do Brasil em todas as épocas do ano. Na verdade, boa parte das hortaliças que em geral consumimos são originalmente de climas temperados ou frios e ainda não estão bem adaptadas a condições realmente tropicais, quentes e úmidas. Por uma série de razões, ainda não se consegue produzir satisfatoriamente  tomate, cenoura e batata na região Amazônica, por exemplo.

Até o início da década de 80 do século XX, as variedades de cenoura plantadas no Brasil eram exclusivamente variedades chamadas “de inverno”, as quais produziam exclusivamente no Sul do país. Com o desenvolvimento e lançamento da variedade Brasília, primeira variedade de cenoura dita “de verão”, resistente a condições mais quentes, esta olerícola deixou de ser uma espécie raramente vista nas mesas e nos pratos brasileiros, houve um decréscimo nas variações sazonais de oferta da mesma e os preços também deixaram de variar tanto. Aliás, a tropicalização de várias espécies agrícolas é uma das causas do sucesso da agricultura brasileira. O que poderia ser feito para diminuir o impacto da variação sazonal? Do ponto de vista técnico, tenho algumas ideias, que gostaria de explorar aqui.

Em primeiro lugar, acredito que o que foi feito para a cenoura deveria ser feito, se possível, também para outras culturas. A tropicalização de espécies agrícolas não é uma tarefa fácil e não se limita a inserir tolerância a altas temperaturas. Junto com altas temperatura e umidades vêm as doenças, principalmente fúngicas e bacterianas. Para hortaliças, não há possibilidade de tropicalização sem resistência ou pelo menos tolerância a doenças. Um grande desafio para a produção de solanáceas, como tomate e pimentão, na região Norte do Brasil, é a presença praticamente ubíqua de uma bactéria, a Ralstonia solanacearum, que causa a murcha bacteriana, nos solos daquela região.

O sucesso do cultivo não se limita à disponibilidade e à escolha de cultivares adequadas. Todo o sistema de produção deve estar adaptado às condições climáticas, de solo e mesmo culturais regionais. Há algum tempo presenciei um agricultor de Manaus que adquirira estufas israelenses e tentava produzir alface dentro das mesmas. A temperatura média certamente superava o conforto térmico da espécie e as plantas de alface rapidamente pendoavam, mesmo as de variedades com alguma adaptação ao calor.

Embora no exemplo anterior a escolha de estruturas protegidas não tenha sido adequada, não há dúvidas de que a garantia de disponibilidade mais homogênea de hortaliças ao longo do ano passa pela adoção mais ampla do cultivo em ambiente protegido. Aliás, uma das razões por que se migra para a agricultura protegida é a possibilidade de se produzir quando e onde normalmente não seria possível. Ainda há lacunas no conhecimento e na disponibilidade de tecnologias de controle ambiental para uma maior disseminação do cultivo protegido em regiões tropicais como boa parte do Brasil, mas já há equipes trabalhando intensamente no assunto.

A concentração da agricultura protegida ao redor de centros urbanos, maiores consumidores de hortaliças, torna possível a aproximação dos centros produtores e dos centros consumidores, diminuindo as perdas devidas ao transporte inadequado de longas distâncias. As perdas pós-colheitas certamente têm um papel importante na oferta de hortaliças e consequentemente nos preços. Para algumas espécies, no Brasil, as perdas após a colheita chegam a 40%, por uma série de razões. Ainda na fazenda há perdas, principalmente por armazenamento inadequado – poucas são as propriedades com casas de embalagem (packing houses) ou estruturas de refrigeração. O próprio padrão exigido dos produtos é causa de perdas em alguns casos. Estima-se, por exemplo, que pelo menos 20% da cenoura produzida na região do Alto Paranaíba, em Minas Gerais, perdem-se no campo simplesmente porque não exibem o padrão de tamanho e grossura exigidos pelo mercado.

Perdas pós-colheita são um problema extremamente complexo. As causas das perdas, não apenas de hortaliças, são várias. Perde-se nas propriedades, perde-se no transporte em estradas de má qualidade, em caminhões sem refrigeração, com acondicionamento inadequado. Perde-se quando o produtor “tomba” ou transfere seu produto de suas caixas, não raro de madeira, para as caixas de comerciantes nas centrais de abastecimento, onde as hortaliças via de regra permanecem sem refrigeração até irem para os supermercados, onde igualmente se perde pelo empilhamento excessivo nas prateleiras, que continuam sem refrigeração.

Enfim, há muito o que se fazer, em termos de pesquisa, mas principalmente em termos de transferência de tecnologia e de subsídios públicos. Vários atores devem conversar harmoniosamente – Ministérios da Fazenda, da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, do Planejamento, instituições de pesquisa e de extensão rural, agências de fomento. O setor de produção de hortaliças se ressente da ausência de estatísticas confiáveis e atualizadas – dados econômicos, mas também geográficos e de produção, para que se possa planejar racionalmente a produção.

Programa “Conexão Ciência” sobre cultivo de hortaliças em ambiente protegido.

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