Três ótimos (e respeitosos) debates entre Ateus e Teístas.

Eu sempre adorei discussões. Quando entrei na graduação, o ponto alto da minha semana era o Grupo de Discussão de Evolução, um grupo organizado por três veteranos que talvez tenham achado naquele fórum uma válvula de escape para o que eu iria sentir mais tarde na pele: a total ausência de embate entre pontos de vistas conflituosos na academia.

Foi só quando me meti em discussões sobre ateísmo, que descobri a existência de debates acadêmicos, onde os debatedores expõem seus lados em um formato previamente estabelecido. Eu achei isso fantástico: esses debates não apenas permitem uma grande troca e exposição de informação, como também entretêm. Prefiro mil vezes assistir um debate de duas horas do que o novo filme da série “Velozes e Furiosos”.

Agora, um problema de debates entre teístas e ateus é que eles facilmente se tornam acalorados e muitas vezes desrespeitosos, que é algo tira o foco do assunto e entram no caminho da discussão. Um bom debate é aquele que o debatedor interpreta a posição do oponente sob a melhor luz possível e tenta responder à altura. Sem respeito, os debatedores comumente correm o risco de interpretar errado o que seu oponente tem a dizer e responder àa pontos que não foram feitos. E ninguém ganha com isso.

Abaixo linkei três debates entre teístas e ateus que acho particularmente bons nesses aspectos. São ótimas fontes de informação sobre ambos os lados, mostrando que é possível haver confronto sem ofensas. Ao menos não muitas. Infelizmente estão apenas em inglês, e requerem um ouvido acostumado.

Peter Singer vs John Hare – Mamíferos Morais, e porque nós importamos
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Debate entre o famoso filósofo Peter Singer (ateu) e o filho do seu mentor, também filósofo, John Hare (teísta). O objetivo desse debate é expor as bases e justificativas para o comportamento ético sob as perspectivas ateia e teísta, respectivamente. O resumo é simples: na visão teísta, Deus justifica tudo e é a base da moralidade. Na visão ateia, não (obviamente), mas é bom notar que muitas das questões éticas respondidas por “Deus” não estão resolvidas numa visão secular. O motivo disso, imagino, é que “Deus” não é resposta para essas perguntas em primeiro lugar.

(Meta)Fisica: Hans Halvorson e Sean Carroll em Caltech
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Hans Halvorson, filosofo teísta de Princeton, e Sean Carroll, físico da Caltech, blogueiro e divulgador científico expõem suas visões metafísicas em uma conversa amistosa. A parte que mais me interessa é a discussão que começa em aproximadamente 20min, no qual Carroll responde ao argumento do Ajuste Fino das Contantes do Universo para a existência de Deus. Esse argumento (junto com o Principio Antrópico) sempre me incomodaram muito, pois sugerem que nós sabemos como a vida surgiu. Mas, se soubéssemos isso, criar vida em laboratório de matéria inanimada seria rotina, mas infelizmente ainda estamos anos luz disso. E a resposta de Carroll sugere isso: não sabemos o que é necessário para ter vida e não sabemos o quão provável ela é nesse ou em qualquer outro universo. Halvorson concorda,  admitindo que, apesar de achar que o universo é finamente ajustado, ele acredita que os argumentos para isso são péssimos, sugerindo ainda que usar ciência para sustentar a visão teísta é teologia ruim. E eu concordo 100% com ambos.

Bônus: ambos respondem qual é o maior desafio para sua visão de mundo e são bastante honestos sobre isso.

(In)Acreditável?: Um filosofo ateu e um teísta compartilham suas visões de mundo- Universidade de Cambridge
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Esse é um debate bastante interessante, entre o filosofo ateu Arif Ahmed e o Reverendo e professor aposentado Keith Ward. Ward é um idealista, que acredita que a realidade da mente precede a realidade da matéria, e Ahmed defende uma posição empiricista ampla, onde qualquer crença deve ser considerada verdadeira apenas se tivermos evidencias para ela. Apesar desses pontos não serem necessariamente opostos, grande parte do debate se foca na operacionalidade dessa visão de Ahmed, com Ward obviamente discordando. 

Gosto bastante de ambos debatedores. Ward é bastante honesto e aberto sobre suas crenças e sobre como encara a filosofia como uma forma de racionalizar sua visão de mundo (nada diferente de o que um ateu deve fazer, na minha opinião). Ahmed é um pouco confuso, mas bastante lúcido em suas posições, conseguindo dissecar e apontar problemas na visão teísta com precisão, nenhum dos quais negados diretamente por Ward. Vale a pena adicionar que Ahmed também é conhecido como o cara que destruiu Willian Lane Craig em um debate que, infelizmente, não entra nessa lista por motivos óbvios.

Os Jesuitas eram os Novos-Ateus do Cristianismo?

A Primeira Missa no Brasil, por Victor Meirelles
A Primeira Missa no Brasil, por Victor Meirelles

Ontem comecei a ler o livro The Christian Delusion: Why Faith Fails (“O Delírio Cristão: porque a fé falha”, tradução minha) um livro que, segundo um dos autores, foi inspirado pelas críticas feitas ao livro análogo do Richard Dawkins, Deus, um delírio. Visto que Dawkins foi amplamente criticado por sua superficialidade teológica, filosófica e antropológica, os organizadores desse volume resolveram reunir experts nessas áreas para atacar o cristianismo desses pontos de vista. Agora, eu não gostei do livro do Dawkins, e acho que muitas das críticas sobre sua superficialidade são válidas, mas visto que esse livro reúne diversos autores que admiro, achei que valia a pena dar uma verificada.

O tema central do primeiro capítulo é antropologia social, por David Eller, e parece ter como foco central uma avaliação antropológica dos cristianismos: o autor defende que não existe “um” cristianismo, mas vários cristianismos locais, adaptados à culturas regionais. Ele ainda explica que religião, como qualquer aspecto cultural, não é algo que pode ser rejeitado através de debate ou argumento racional: culturas (e visões de mundo) são normalmente herdadas e assumidas como verdades absolutas.

Esses fatos, aparentemente, estavam muito claro para os missionários cristãos, que tinham como objetivo difundir o cristianismo e o evangelho. A estratégia de tentar convencer estrangeiros da veracidade de sua religião só pode ser eficiente se você entende como uma pessoa pode adotar um novo aspecto cultural e aparentemente argumentos lógicos e racionais não são o caminho para faze-lo.

Como exemplo de um grupo que compreendia a dinâmica da assimilação cultural da crença, Eller cita um artigo por Michael Welton (link para o pdf) sobre a estratégia pedagógica dos jesuítas nas Américas:

A pedagogia de ataque dos Jesuitas tinha como principal objetivo fragilizar as fundações do modo de vida dos Indios. Essas fundações são as bases para significado e ações sociais, e várias praticas espirituais-religiosas presentes no dia-a-dia dos nativos[…]. Os Jesuítas buscaram deslocar [o shaman] de seu lugar na supremacia no mundo através do ridiculo, zombaria e competição […] e se inserir no lugar dele. Essa era uma estratégia pedagogica brilhante e inescrupulosa […]. Eles usaram seu conhecimento científico dos eclipses solares e lunares, marés, e o poder mágico da imprensa para deslegitimar o shaman. Eles marcharam suas próprias fundações de mundo (agora cada vez mais enriquecidas com formas científicas de conhecimento) para minar os fundamentos culturais dos ameríndios, e criar espaço para a coroa e Deus no Império do Demônio (povos nativos, no caso).

Usar zombaria e ridículo, recheado de conhecimentos científicos para deslegitimar autoridades religiosas… soa familiar? Pois até onde consigo avaliar, essas são exatamente as mesmas estratégias normalmente atribuídas aos chamados “neo-ateus”. E visto que a diferença entre um “ateu convencional” (seja lá o que isso for) e um “neo-ateu” normalmente se resume à forma que eles expressam suas crenças, e não o que eles acreditam, poderíamos dizer que os jesuítas eram os “neo-ateus” do cristianismo.

Brincadeiras aparte, eu não sei dizer se isso é bom ou ruim. Por um lado, esses ateus estão usando as mesmas estratégias imorais que os jesuítas usaram contra os Ameríndios, o que pode ser um indicativo de que esse não é o caminho correto a ser seguido. Por outro lado, o que os jesuítas fizeram parece ter funcionado, então… qual o caminho mais apropriado? Me parece ser uma questão de objetivos finais e estratégia: queremos apagar uma cultura e outorgar outra, ou permitir que as culturas se adaptem a um novo paradigma?

O cristianismo ajudou a fundar a ciência moderna?

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Um tipo de afirmação que vejo constantemente sendo jogada por ai é a de que, sem o cristianismo, a ciência moderna não teria existido. Isso comumente faz parte de uma linha apologética chamada “pressuposicionalismo” que consiste basicamente em dizer que sem os pressupostos do cristianismo, a ciência moderna (ou moralidade, ou qualquer outra coisa) não são logicamente coerentes. Ou seja, sem um Deus propondo leis regulares na natureza, não faz sentido pensar numa ciência que funciona.

É uma estratégia interessante mas altamente discutível. Afinal, classicamente, a uniformidade da natureza foi vista como um potencial impedimento para a teologia cristã, visto que impedia a ocorrência de quebras da ordem natural das coisas através de milagres. Sem milagre, sem ressurreição, sem cristianismo.

Outra linha de argumentação sobre a influencia do cristianismo na origem da ciência é a ideia de que a ciência moderna surgiu no mundo cristão, e não na Índia, ou na China, por exemplo. Isso é, evidentemente verdade: é no Renascimento que encontramos as bases da ciência moderna, um movimento que se deu essencialmente na Europa cristã. Entretanto, o Renascimento foi uma revitalização dos princípios clássicos  gregos e romanos, e uma quebra com a teologia dos séculos anteriores. Richard Carrier – historiador da ciência, que tem mais títulos do que eu posso colocar em um aposto- coloca isso de forma precisa:

Entretanto, em tudo isso a afirmação que não se sustenta é que o cristianismo encorajou a ciência. Se esse tivesse sido o caso, então não teríamos quase mil anos (de aproximadamente 300 a 1250 AD) com absolutamente zero avanços significativos na ciência (exceto alguns poucos e as contribuições minoritárias de hindus e muçulmanos), em contraste com os mil anos anteriores (de aproximadamente 400 AC a 300 AD), que testemunharam incríveis avanços nas ciências em continuada sucessão a cada século, culminando em teóricos cujas ideias se aproximaram tentadoramente da revolução cientifica no 2o século AD (especificamente, mas não exclusivamente, Galeno e Ptolomeu). Você não pode propor uma causa que falhou em produzir um efeito, a despeito de estar constantemente presente por mil anos, especificamente quando, na sua ausência, a ciência fez muito mais progresso. A ciência retomou em 1200 precisamente onde os antigos [gregos e romanos] deixaram ela, redescobrindo seus achados, métodos e valores epistêmicos, e continuando o processo que eles haviam iniciado.

(Grifo meu)

Claro, mesmo se fosse verdade que a ciência moderna tem sua origem no cristianismo, nada disso advoga em favor de qualquer doutrina religiosa. Pode ser muito bem verdade que a química moderna tem origem na alquimia. Mesmo assim, alquimia continua errada.

Sugiro a leitura do post de Carrier sobre o assunto: Science and Medieval Christianity

Porque existem tão poucos evolucionistas negros?

Recentemente me deparei com o canal do youtube “Evolution: This View of Life” (A.K.A. EvolutionTVOL) comandado pelo David Sloan Wilson (que também tem um blog no ScienceBlogs). Aparentemente o canal consiste de entrevistas com pesquisadores da área de biologia evolutiva e exibe um formato muito interessante. A entrevista que mais chamou atenção foi a intitulada “O mito da Raça, diferenças raciais em saúde e porque temos tão poucos evolucionistas negros“, com o biólogo evolutivo Joseph L. Graves.

Greves trabalha em uma área da biologia evolutiva muito interessante, tentando responder porque organismos envelhecem. Fora isso, ele também apresenta um interesse muito grande na interface de questões raciais e biologia evolutiva. Durante a entrevista Graves esclarece o porque ele acredita que raças humanas são um mito (basicamente porque temos pouquíssima divergência genética entre grupos) e explica brevemente sobre as causas evolutivas de problemas de saúde ligadas a adaptações alimentares de nossos antepassados (basicamente que quanto mais próxima é sua alimentação da dos seus antepassados, melhor para você).

Joseph L. Graves, primeiro PhD em biologia evolutiva
Negro dos Estados Unidos

Mas o que me chamou muita atenção foi a última questão, brevemente respondida no fim da entrevista, que é: Porque existem tão poucos biólogos evolutivos negros? De fato, em toda minha vida acadêmica só me recordo de ter conhecido um biólogo evolutivo negro (um pesquisador de Harvard, que não me recordo o nome). Graves, que foi o primeiro norte-americano negro a receber o PhD na área, estima que não existam mais do que 10 biólogos evolutivos negros nos EUA, e que biologia evolutiva é, de fato, a área acadêmica na qual os negros são menos representados.

Mas então, qual é a resposta para a questão? Bem, religião. Segundo Graves (que é religioso, por sinal), a comunidade negra norte-americana adotou o cristianismo de uma forma muito mais intensa e fervorosa do que os brancos. Especificamente, que eles adotaram uma perspectiva literalista e fundamentalista da bíblia, o que claramente contradiz os achados da biologia evolutiva.

Graves não deixa muito claro se essa é sua opinião ou se ele tem algum tipo de evidencia para corroborar esse cenário. Ele cita sua experiência pessoal lecionando para alunos negros, e o reconhecimento que eles rejeitam diversos achados da ciência por estes confrontarem com sua fé. Isso é de fato consistente com algumas evidencias sobre a influencia da religião no conhecimento científico (aqui e aqui), então me parece um cenário razoável. Graves ainda coloca que enquanto não reconhecermos essa fonte de conflito não poderemos resolver essa e outras questões relacionadas de forma satisfatória.

Eu confesso que essa talvez seja a minha maior bronca com os que afirmam que ciência e religião são compatíveis: na sua vontade de provar o seu ponto, eles convenientemente ignoram os casos onde o conflito é evidente. Ao argumentar sobre o que é possível, eles deixam de lado o que de fato é realidade. Afinal, sabemos que teológos são muito bons em inventar cenários que tornam a Biblia compatíveis com qualquer coisa, até com física quantica! Mas para cada tese teológica maluca existem centenas de milhares de crentes que acreditam na literalidade do Gênesis.

Então, onde deveríamos estar focalizando nossa atenção?

O caso do sexto naufrago


Abaixo reproduzo um experimento desenvolvido pelo filósofo Stephen Law, e publicado como parte de um artigomais amplo sobre o ceticismo sobre a existência de Jesus Cristo na revista Faith and Philosophy. Aqui Law discute um exemplo hipotético ilustrativo para avaliar os critérios normalmente utilizados por estudiosos do novo testamento para justificar a existência do Jesus histórico. Um desses estudiosos é Bart Ehrman, que mencionei recentemente.


Destes critérios, Law avalia explicitamente o critério da Múltipla Atestação (a existência de várias fontes originais para uma dada afirmação), o critério da Descontinuidade (a dissonância entre o que é afirmado em uma fonte e a ortodoxia vigente naquela região naquele período) e o critério do Constrangimento (o fato de que pessoas não falariam sobre algo que teria consequência negativa para a difusão da mensagem que ela quer passar).


Eu não tenho uma opinião formada sobre o assunto, mas concordo com Law no sentido que acho os critérios usados para atestar a existência de Jesus um tanto fracos, ou não tão impressionantes quando avaliados no contexto. Podem existir outros, obviamente, dos quais não estou familiarizado, ou mesmo que minha avaliação sobre sua suficiencia seja equivocada (obviamente, não sou historiador). 


Também concordo que o principio avançado por ele, o principio da contaminação, me parece válido. O principio basicamente consiste em afirmar que é razoável ser cético a respeito de toda uma estória se essa apresenta aspectos fantásticos e mundanos (os estudiosos do novo testamento que afirmam a existência do Jesus Histórico rejeitam os aspectos fantásticos da narrativa dos evangelhos, enquanto aceitam os aspectos mundanos da história). Porém me pergunto o que acontece se algum historiador não assume que tai aspectos fantásticos não são… bem, fantásticos?


De qualquer forma, acho o exercício de Law estimulante, e valeria a pena ver o quão razoável as pessoas acreditam que seja a história do sexto náufrago.


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Suponha que cinco pessoas são resgatadas de uma grande, porém inabitada ilha na qual eles naufragaram 10 anos antes. O grupo de náufragos sabia que se eles sobrevivessem eles seriam, eventualmente resgatados, pois a ilha era uma reserva natural visitada por ecólogos a cada dez anos.


Na medida que os náufragos recontam suas estórias, eles incluem os fantásticos casos de um sexto indivíduo que naufragou com eles. Essa pessoa, eles afirmam, logo se destacou dos outros por realizar milagres – andar no oceano, curar miraculosamente outro naufrago que havia morrido em decorrência de uma mordida de cobra, criando grandes quantidades de comida do nada e etc. O misterioso sexto naufrago tinha pontos de vista éticos incrivelmente originais e, apesar de não-ortodoxos, eles foram entusiasticamente recebidos por outros náufragos. Finalmente, alguns anos atrás, o sexto náufrago morreu, mas retornou a vida três dias depois, e logo em seguida ascendeu aos céus. Ele inclusive foi visto diversas vezes após esse ocorrido.


Vamos adicional mais alguns detalhes para esse cenário hipotético. Vamos supor que os cinco náufragos contam principalmente a mesma história sobre o sexto membro do grupo. Apesar de diferente em estilo, os relatos são geralmente consistentes. De fato, um retrato vivido e poderoso do sexto náufrago emerge do testemunho coletivo, contendo tantos detalhes quanto, digamos, o Evangelho a respeito de Jesus.


Curiosamente, as estórias sobre o sexto náufrago incluem um número de detalhes que são embaraçosos para o restante dos náufragos. De fato, todos eles concordam que dois dos sobreviventes de fato traíram e mataram o sexto náufrago. Adicionalmente, algumas façanhas supostamente realizadas pelo sexto náufrago estão em clara contradição com o que os sobreviventes acreditam sobre ele (por exemplo, apesar de acreditarem que o sexto naufrago era totalmente desprovido de maldade, eles atribuem a ele ações que aparentam ser deliberadamente cruéis, ações que subsequentemente são difíceis de serem explicadas pelos sobreviventes). Esses são detalhes que dificilmente seriam do interesse dos náufragos de serem inventados.


Tamanha é a admiração pelo sexto membro e por suas visões éticas impares que os sobreviventes tentam de forma insistente em nos convencer que ambas são verdade, e que é importante que nós também abracemos seus ensinamentos. De fato, para o grupo resgatado, o sexto naufrago é uma figura reverenciada, uma figura que eles querem que nós reverenciemos também.


Agora, suponhamos que nos temos, até o momento, nenhuma boa evidencia independente que existiu um sexto náufrago, muito menos que ele realizou milagres atribuídos a ele. Qual seria nossa atitude em relação a essas afirmações?


Claramente, nós seriamos corretamente céticos sobre as partes miraculosos do testemunho em relação ao sexto náufrago. O testemunho coletivo deles não é nem de perto evidencia o suficiente de que tais eventos aconteceram. Mas e sobre a existência do sexto náufrago? É razoável acreditar, apenas com base nesse testemunho, que um sexto náufrago era pelo menos uma pessoa real, e não parte de um delírio, uma ficção deliberada ou o que quer que seja?


Note que as evidências apresentadas pelos cinco náufragos satisfazem os três critérios previamente discutidos.


Primeiro, nós temos múltiplas testemunhos: não um, mas cinco afirmações individuais sobre a existência do sexto náufrago (adicionalmente, note que nós estamos lidando com testemunhas elas mesmas, e não registros de segunda ou terceira mão, então não existe possibilidade de outros terem alterado a estória original. como seria o caso dos testemunhos do Novo Testamento).


Segundo, seus relatos contem detalhes que são claramente altamente embaraçosos (na verdade, são seriamente incriminantes) para quem relata. Isso levanta a pergunta: porque iriam os náufragos deliberadamente incluir tais detalhes em uma estória inventada – um história que, por exemplo, está em clara tensão com o que eles acreditam sobre seu herói, e que, de fato, os descreve como traidores assassinos?


Terceiramente, porque deveriam eles atribuir à um sexto náufrago visões éticas não-ortodoxas ou qualquer outro tipo de visão dissonante com a sabedoria comumente aceita? Se, por exemplo, o sexto náufrago é uma invenção desenvolvida com o objetivo de estabelece-los como gurus de um novo culto, porque irão eles atribuir ao seu líder mítico visões que dificilmente seriam aceitas por outros?


Existe pouca duvida de que poderia ter existido um sexto náufrago que disse e fez coisas atribuídas a ele. Mas se pergunte: o testemunho coletivo do grupo resgatado coloca a existência do sexto náufrago acima de qualquer suspeita? Se não acima de qualquer suspeita, seria sua existência algo que deveria ser  razoavelmente que aceito? Ou seria mais sábio, nesse ponto, que reservemos julgamento e adotemos uma postura cética?

A probabilidade da ressurreição de Cristo (com formulaz!!1!)

A um certo tempo atrás eu assisti o debate entre Bart Ehrman e Willian Lane Craig sobre a historicidade da ressurreição de Cristo, com o primeiro argumentando contra e o segundo obviamente argumentando a favor. Esse é um assunto de grande importância para Craig, visto que a historicidade da ressurreição é o único dos argumentos utilizados por Craig que defende a existência de um Deus cristão. Todos os outros  são apenas argumentos genéricos sobre a existência de algo com características presumidamente divinas.

De qualquer forma, um dos focos do debate (que é longo, porém recomendo) é sobre a colocação de Ehrman que, visto que a ressurreição de Cristo é um milagre e que milagres são eventos altamente improváveis, um historiador nunca poderia afirmar sobre a historicidade de um evento de ressurreição, uma vez que a única coisa que historiadores podem fazer é apontar qual narrativa histórica é mais plausível. Para refutar essa colocação, Craig introduz um argumento baseado no Teorema de Bayes para o cálculo de probabilidades colocando que, apesar de uma hipótese ser altamente improvável (no caso, um milagre), sua probabilidade final leva em conta outros fatores. Esses outros fatores, quando equacionados corretamente, levariam a conclusão que a ressurreição de Cristo é uma hipótese provável.

Visto que gosto de probabilidade e que apologetas tem um péssimo histórico de distorção de teorias científicas e filosóficas, abaixo exponho uma breve explicação do argumento de Craig e minha objeção  este argumento. Adicionalmente, ele é o cristão que todo ateu adora odiar, e eu não tenho nenhuma pretensão de ser original. Abaixo reproduzo da forma mais generosa que consigo o argumento de Craig e a seguir explico os motivos dele estar errado. Aviso: Formulas! Prossiga com cuidado.

O argumento Bayesiano para a ressurreição de Cristo

Segundo o Teorema de Bayes, a probabilidade de uma hipótese precisa ser avaliada em relação ao oque é chamado “conhecimento de fundo”. Conhecimento de fundo é todo e qualquer conhecimento prévio que pode influenciar a estimativa da probabilidade de uma hipótese. Por exemplo, o recente registro de partículas mais velozes que a luz pode ser totalmente plausível se tomada por si só. Porém se levarmos em conta a teoria da relatividade de Einstein, que coloca que velocidades superiores seriam impossíveis, isso influencia a avaliação da probabilidade daquele registro. Assim, podemos considerar justificado o esforço dos pesquisadores em achar um eventual erro que levou aos registros, como de fato foi o caso. Dentro da teoria probabil’stica bayesiana, a probabilidade de acordo com o conhecimento de fundo de uma hipótese é

sendo R a hipótese da Ressurreição de Cristo e E as evidências disponíveis e Pr a probabilidade estimada levando em conta o conhecimento de fundo. Nesse caso Pr(R) é a probabilidade intrínseca da ressurreição (ou seja, a probabilidade de alguém ressuscitar), Pr(E) é a probabilidade intrínseca da existência das evidências (em outras palavras, a probabilidade de alguém afirmar positivamente que uma ressurreição ocorreu, seja a afirmação verdadeira ou falsa) e Pr(E:R) é a probabilidade de que alguém diria que uma ressurreição ocorreu, dado que essa ressurreição de fato é verdadeira. Craig usa a versão extendida da formula aplicável a casos onde existe uma dicotomia entre a hipótese e sua negação (no caso, ou Jesus ressuscitou ou ele não ressuscitou), onde Pr(E) é avaliado no contexto da hipótese da ressurreição de Cristo e na hipótese de que a ressurreição de Cristo não ocorreu:

O ponto de Craig é que Ehrman está errado em argumentar que a probabilidade da ressurreição é baixa (logo impossível de ser elegida como uma hipótese histórica válida), visto que ele está avaliando apenas a probabilidade intrínseca de alguém ressuscitar Pr(R), deixando de fora outros fatores, especificamente Pr(E:¬R). Segundo Craig, se tal probabilidade (que é a probabilidade de alguém afirmar positivamente que uma ressurreição ocorreu quando nenhuma ressurreição ocorreu) é demasiadamente baixa, a probabilidade da ressurreição será elevada. Para ilustrar isso Craig evidencia corretamente que a probabilidade Pr(R:E) pode assumir a seguinte forma:


com X=Pr(E:R)*Pr(R) e Y=Pr(E:¬R)*Pr(¬R). Se Y for pequeno o suficiente, a razão se aproximaria de X/X que é sempre 1, que significaria certeza total em R. Como Pr(E:¬R) compõem Y, então um Pr(E:¬R) baixo implicaria na aceitação da ressurreição de Cristo como uma hipótese histórica. Sendo assim, cabe ao cético demonstrar que existe uma hipótese naturalista que explique com sucesso as evidências de forma a tornar Y alto o suficiente para rejeitar R, e não apenas simplesmente apontar que a probabilidade (intrínseca) da ressurreição é baixa, como Ehrman fez.

Probabilidade pequena? E daí?

Então… onde exatamente Craig está errado? As possibilidades são diversas, mas a mais grave decorre de uma interpretação distorcida do que é uma probabilidade baixa. Para entender, vamos reiterar o argumento de Craig.

Para Craig, se o poder explicativo de uma hipótese naturalística é baixa (ou, se Pr(E:¬R) é baixa), isso implicaria que a probabilidade da hipótese de ressurreição, quando avaliada à luz das evidências (Pr(R:E)), é de quase 100% certa, não importando o quão baixa é a probabilidade da ressureição em si. Se isso parece estranho, é porque de fato é. Para ilustrar isso, basta desenhar a função Pr(R:E) para diversos valores de X (que inclui o poder explicativo da hipótese da ressurreição):

Fica, então, bastante evidente que o valor de X importa, e quanto menor for seu valor, menor terá que ser Y para que aceitemos a ressurreição de Cristo como uma hipótese provável. Em outras palavras, não basta apenas demonstrar que as hipóteses naturalísticas são ruins para explicar as “evidencias”, mas sim que a hipótese supernatural é muito superior em poder explicativo e em probabilidade intrínseca, tarefa que dificilmente pode ser atingida apontando que não existe consenso sobre uma hipótese natural para as evidências.

No fim, nada disso difere significativamente de dizer “você não consegue explicar, logo Deus fez”. Isso é Deus-das-lacunas, e igualmente falacioso. Nada além disso.

E acredito que esta seja uma avaliação bastante caridosa do argumento. Afinal, como naturalista, eu sequer acredito que a ressurreição é uma possibilidade lógica. Isso implica que, segundo o meu conhecimento de fundo, que é dado por biologia, física, medicina, etc, Pr(R)=0, o que implica que a probabilidade da ressurreição é sempre zero.

Craig de fato tenta abordar esta objeção, colocando que seus outros argumentos (Kalam, argumento Ontológico, etc) evidenciam a existência do supernatural e do divino e que, levando isto em conta como conhecimento de fundo, Pr(R) é diferente de zero, o que possibilita a ressurreição como uma hipótese válida. Entretanto, esses outros argumentos foram feitos de forma a serem consistentes com nosso conhecimento sobre a natureza. Inclusive, grande parte da fama de Craig vem do fato dele ter desenvolvido um argumento cosmológico que seria consistente com nosso conhecimento atual sobre cosmologia. Claro, esses argumentos são pura bobagem, mas mesmo se não fossem, eles não permitem a violação das leis naturais. Ou seja, Pr(R) ainda seria igual a zero. 
Um fato interessante desta argumentação é que, mesmo se fosse verdade, nós teríamos que primeiro aceitar a existência do supernatural e do divino, para depois considerar a ressurreição como plausível. Ou seja, o argumento apologético para a ressurreição de Cristo só funciona se você já aceita a existência de Deus. E é exatamente por esse motivo que argumentos apologéticos deste tipo não convencem um cético. 

Bispo Luiz Gonzaga Bergonzini defende dogma em detrimento da ciência?

Aparentemente liberdade de expressão vai muito bem com Catolicismo. Pelo menos é o que parece defender Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo emérito da Diocese de Guarulhos. Em seu site, ele coloca que a PUC “Não pode ter em seu corpo docente professores contrariando os ensinamentos da Igreja Católica, dentro ou fora da sala de aula.” O motivo é simples: a PUC é da Igreja Católica e a dona da bola dita as regras.

Aparentemente o tal comentário foi estimulado pelas posições militantes do professor de jornalismo Leonardo Sakamoto, conhecido por sua defesa dos direitos humanos, liberdade de expressão e por ter um sorriso incrivelmente perturbador. De qualquer forma, d. Bergonzini não vê os esforços do dr. Sakamoto sob essa luz, dando a entender que ele é um dos “professores abortistas, defensores da eutanásia, da liberação da maconha, da ideologia homossexual ou comunistas”.

Leonardo Sakamoto – Adora fazer longas caminhadas na praia após um aborto.
Palavras duras para um Homem de Deus. Mas estaria ele correto na sua colocação? Bem, conceitualmente acredito que sim. Afinal, se os professores da PUC assinam um contrato afirmando que irão apresentar “reflexão incessante, à luz da fé católica”e “fidelidade à mensagem cristã tal como é apresentada pela Igreja”, e se as atitudes do Sakamoto distoam do que é considerado como a “mensagem tal como é apresentada pela Igreja”, então a PUC estaria mais que justificada em se desfazer de um professor que não está de acordo com as normas institucionais. 
Mas ser anti-aborto é uma posição dogmática da Igreja Católica? Certamente isso não está na Biblia. Até onde sei, grande parte do fervor anti-aborto religioso vem da noção de que a alma adentra o corpo durante o momento da concepção, idéia endossada por algumas passagens bíblicas, principalmente por Jeremias 1:5: 

Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado, e te havia designado profeta das nações. 

, dando a entender que, segundo alguns, Deus nos conhece a antes do nascimento e até antes de nossa concepção. Existem vários furos para tal tipo de interpretação, obviamente, e para cada passagem anti-aborto é possível colocar uma que pode ser interpretada como pró-aborto. Definitivamente Deus não tem problemas com eviscerar mulheres gravidas. Talvez exista alguma tecnicalidade que eu desconheça nesse ponto. Mas de uma maneira ou outra, a posição anti-aborto está normalmente relacionado a segmentos cristãos da sociedade. Curiosamente, Dom Bergonzini foi um dos membros da igreja católica que se posicionou contra a eleição presidencial de Dilma e de todos os políticos favoráveis à legalização do aborto.


Dom Luiz Gonzaga Bergonzini: ele poderia ter sido abortado.

O ponto, ao meu ver, é que Dom Bergonzini está defendendo uma visão particular dos ensinamentos Biblicos que, por algum acaso é a endossada oficialmente pela Igreja Católica. Do Código de Direito Canônico:

Cân. 1398 — Quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae

O que me pergunto é se o Bispo estaria disposto a aplicar a mesma lógica em todas as áreas do conhecimento? Afinal, apesar da igreja Católica se colocar como grande defensora da ciência, algumas pequenas idiossincrasias existem de forma tão ou mais explicitas quanto a condenação ao aborto. O Human Generis, documento no qual o papa Pio XII declara a posição da Igreja Católica em relação às teorias sobre a origem do homem, deixa bem claro que apesar dos fiéis poderem aceitar a evolução, nem todas as teorias podem ser assimiladas tão facilmente:

Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles.

Ou seja, católicos que seguem o Human Generis podem aceitar que Adão e Eva surgiram através de evolução, mas não que eles eram membros de uma população maior de “proto-humanos” (ou que os nomes faziam referências a populações de pessoas, e não a pessoas). O problema disso é que sabemos que as populações humanas nunca tiveram um numero inferior a 10 mil indivíduos, e sabemos disso a partir de estudos de genética populacional humana. Seria o Bispo contrário ao ensino genética de populações na PUC, visto que as conclusões desses estudos ferem dogmas religiosos? Estaria ele disposto a sacrificar ótimos cursos de pós-graduação, como o de programa de Zoologia da PUC/RS, um dos únicos do Brasil com nota 6 da CAPES, apenas porque seus professores se valem de ferramentas que descreditam a existência de um Adão e uma Eva literal?

Ou talvez seja melhor reconhecer a possibilidade de que dogmas religiosos podem estar errados? 

Aborto dos “Justos”: Como o Cristianismo Conservador Promove Aquilo que Diz Odiar

Original: Away Point

Uma das grande ironias da sociedade americana é que a maioria dos abortos nos EUA são causados por cristãos conservadores. Leia as estatísticas: 49% das gestações nesse país não são intencionais, uma taxa que tem se mantido dolorosamente estável por aproximadamente 30 anos. Quase metade dessas gestações terminam em aborto. Ou, para avaliar no sentido oposto, mais de 90% dos abortos nos EUA são resultados de gravidez acidental. As taxas dos EUA de gravidez acidental e aborto excedem em muito a de outros países com similar desenvolvimento econômico. Assim como nossa taxa de religiosidade. O fato de estarmos fora do padrão para ambos não é coincidência.

Três aspectos do cristianismo conservador promovem o aborto: pró-natalismo, a obsessão com pecado sexual, e a ênfase no sentimento de certeza e retidão em detrimento da compaixão.
  1. Cristianismo biblico não é pró-vida. Não é nem mesmo pró vida humana. As estimativas recentes de Steven Pinker são que apenas no Velho Testamento são descritas 1.2 milhões de mortes nas mãos de Yahweh ou seus serventes. Ele é, no entanto, pró-nascimento. Sejam férteis e multipliquem-se (Genesis 1:28) A mulher será salva dando à luz filhos (1 Timóteo 2:15). Martin Lutero, lider da reforma protestante, colocou em suas próprias palavras: “Se uma mulher eventualmente se esgota e morre, não importa. Que morram dando à luz, pois para isto existem”. A reprodução competitiva cristã, uma estratégia para aumentar os adeptos, está no coração da postura anti-contracepção Católica e o movimento Quiverfull protestante.
  2. Filhinho da mamãe, talvez do papai. Todos nós sabemos o que isso significa. Na época que as religiões Abrahamicas emergiram, o desejo masculino de investir apenas em sua própria prole tomou a forma da objetificação da mulher e da sua posse pelos homens. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo (Êxodo 20:17). Mulheres flagradas em adultério (ou sem seus himens intactos) eram mortas pelos antigos hebreus, assim como elas são por muçulmanos conservadores hoje em dia. A obsessão cristã com pecado sexual ou até com a pureza feminina produziu o mito da virgindade americana. Em contraste com sociedades seculares mais abertas, adolescentes americanas tipicamente não procuram contraceptivos por até um ano depois de se tornarem sexualmente ativas. Contracepção as fariam culpadas do pecado de sexo premeditado.
  3. 38.000. Esse é o número de denominações cristãs. Já se perguntou porque? O cristianismo tradicional diz respeito à crença correta, à ortodoxia, e não à viver corretamente. Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo Atos 16:31. Contraste isso com a virtude central do budismo, ahimsa, de não-violência. Católico (significando universal) e ortodoxo (significando crença correta) são resquícios de uma das primeiras divizões do cristianismo depois que ele derrotou o paganismo. Mas o cisma e a fragmentação são apenas uma das consequências do enaltecimento da crença. Muitos crentes preferem estar corretos a estar em comunidade. Eles preferem estar certos a demonstrar compaixão. Eles preferem estar certos à resolver problemas. Eles preferem se opor ao aborto do que preveni-lo.
Os resultados são claros. A forma mais eficiente de reduzir o aborto é de-estigmatizar a educação sexual, des-mitologizar a virgindade, e investir em amplo acesso aos contraceptivos mais eficientes disponíveis. Em uma Holanda altamente secular, esta formula nocauteou o aborto para 7 em cada 1000 mulheres anualmente, um terço da taxa dos EUA. Então, porque a Direita Religiosa mantêm o foco em leis restritivas, ao invés de acesso à contraceptivos? Porque eles conferem direitos de pessoas a zigotos, em contradição com a essência da “pessoalidade”? Porque eles se opõem à educação sexual medicamente precisa? Porque eles prometem desfinanciar programas de planejamento familiar?

Porque aborto não é o que realmente interessa a eles. Eles querem pureza, eles querem retidão. Alguns querem reprodutoras designadas. Até aqueles que conscientemente promovem mais nascimentos são sujeitos às estratégias competitivas que estão nos ingredientes das religiões do deserto desde o começo.

O mundo está no cume de uma revolução dos contraceptivos. Comparado com o melhor controle de natalidade disponível para os seus pais (a Pílula), as ultimas gerações de contraceptivos de longa duração reversíveis, também conhecidos como LARCs, diminuem o risco de gravidez acidental em 10 a 50 vezes. Cada ano uma em cada doze mulheres que toma a Pílula engravida. Isso significa duas ou três gestações extra por mulher durante sua idade reprodutiva – crianças não desejadas ou abortos. Com DIUs hormonais ou implantes, essas taxas caem para uma em 500, porque os LARCs agem desligando a fertilidade da mulher. Como se isso não fosse o suficiente, alguns LARCs também se livram da impureza mensal (Levítico 15:19-24) causada pela maldição da Eva.

Se alguem quisesse prevenir abortos, ele iria advogar pela demonstração de LARCs em toda sala de aula no país. Eles iriam se certificar que os contraceptivos mais eficientes estão disponíveis para todos. Eles iriam focar em gravidez consciente e não em virgindade. Aqueles que dizem querer acabar com o aborto não o fazem, porque eles não o querem.

Nota: Publicado originalmente em 22 de Janeiro de 2012, na semana da Confiança na Mulher, para honrar a sabedoria moral e espiritual que as mulheres investem ao tomar decisões sobre seus direitos reprodutivos.

Sobre a Autora: Valerie Tarico é uma psicologa e escritora de Seattle, Washington. Ela é autora de Trusting Doubt: A Former Evangelical Looks at Old Beliefs in a New Light e Deas and Other Imaginings, e é fundadora da www.WisdomCommons.org. Seus artigos podem ser vistos em Awaypoint.Wordpress.com.