Como se forma o gelo?

gota de gelo

“Simples, basta colocar um pouco de água dentro do congelador” — você poderia dizer, esperto leitor. Mas o quê, exatamente, acontece lá dentro, não do congelador, mas da própria água? A cristalização começa por dentro ou por fora do H2O? Essa pergunta aparentemente simples vem esquentando a cabeça de físicos e químicos nos últimos 10 anos. Segundo cientistas chineses a resposta é: depende.

Saber onde e como um líquido — como a água ou o dióxido de silício (SiO2) — começa a se solidificar pode parecer algo básico, mas é muito importante. Afinal, é na forma cristalizada encontrada nas calotas polares que a água pode nos ajudar a controlar o aquecimento global: nos pólos, o gelo reflete até 90% da radiação solar que recebe. O dióxido de silício, ou sílica, por sua vez, é o óxido mais abundante na crosta terrestre. Na forma fundida, serve de matéria-prima para a fabricação de vidro e da indústra eletro-eletrônica.

Para explicar a cristalização de líquidos tetraédricos em nanoescala, os pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Pequim (ITP) e da Zhejiang University (ZU) recorreram à simulação computacional das ondas de densidade no interior de gotas e filmes de silicone em cristalização. As flutuações de densidade dentro de uma gota, por menores que pareçam, são capazes de redistribuir os possíveis pontos de nucleação. Os resultados, publicados essa semana no Journal of Chemical Physics indicam que, em nanoescala, o congelamento começa por dentro, mas em diferentes distâncias do centro da gota.

Quebrando o gelo

Antes de chegar a essa conclusão, os chineses precisaram quebrar a cabeça com a metodologia da simulação. Usar o congelamento de gotas ou filmes de dióxido de silício é comum em simulações de processos termodinâmicos, como a cristalização. Entretanto, a simulação proposta inicialmente se desdobrava tão depressa que era impossível observar o início da formação do gelo. Outros algoritmos foram propostos, mas ao partir de uma única configuração eles desconsiderariam muitas probabilidades de nucleação. Sendo assim, o time de pesquisadores partiu para o que consideraram uma abordagem de “força bruta”.

Assim, foram feitas milhares de simulações independentes de cristalização, com  clusters de 4096, 8000, e 13 824 átomos e pequenas variações de parâmetros entre cada uma. Ficou mais fácil resolver o problema em passos minúsculos, mas o resultado exigiu mais de seis meses de tempo de processamento em CPU. “Embora seja ‘bruto’, o método pode reprensentar fielmente a distribuição de núcleos”, explicou Yongjun Lü ao Phys.org. Físico da ZU e do ITP, Lü afirma que só assim foram “capazes de observar a distribuição ondular da probabilidade de nucleação, ausente em outros estudos.”

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Em (a) e (b), os perfis de ondas estruturais em filmes e gotas de SiO2. Abaixo, os resultados previstos, em azul, e observados, em vermelho, tanto para filmes (c) a (f) quanto para gotas (g) e (h). [Fig. 3 do artigo citado]

Embora a simulação tenha sido feita com dióxido de silício, os resultados podem ser extrapolados para a água, que tem estrutura molecular parecida. Para Lü, os dados da pesquisa indicam pouca importância da superfície de uma gota na formação de gelo em pequena escala. O que importa são as flutuações de densidade dentro do líquido, que fazem a cristalização começar em qualquer ponto entre o meio e a superfície. Em gotas maiores, o processo de congelamento parece ser completamente aleatório, começando por fora ou por dentro.

No entanto, não é dentro de simulações computacionais que se formam os cristais de gelo. Para confirmar os resultados encontrados, Lü e seus colaboradores pretendem replicar o experimento em condições mais próximas da realidade, como num espaço confinado e sob alta pressão. Condições assim ocorrem micro-rachaduras ou microporos de rochas ou de concreto. O próximo passo, portanto, será compreender como se forma o gelo em superfícies como o topo das montanhas nevadas ou uma calçada coberta por geada.

Referência

rb2_large_gray25Yongjun Lü, Qingling Bi e Xinqing Yan. Density-wave-modulated crystallization in nanoscale silicon films and droplets [Cristalização modulada por onda de densidade em filmes e gotas de dióxido de silício em nanoescala]. J. Chem. Phys. 144, 234508 (2016). DOI: 10.1063/1.4953038

Imagem de abertura: audreyjm529 via VisualHunt.com / CC BY

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