A estrela (mais) solitária

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Pode acreditar, mas tem uma estrela chamada CXOGBS J173643.8-282122 dentro desse minúsculo círculo azul. [Imagem: Brett et. al. (2016)]

Sempre tem aquela fase da adolescência em que o menino ou menina se isola socialmente, passando o máximo de tempo possível trancado no quarto, longe dos amigos e familiares e fazendo coisas estranhas como ouvir música deprê, criar uma franja ou começar a torcer pelo Botafogo. Embora seja incomum, algumas estrelas podem se comportar de forma parecida em sua juventude. E parece que agora nós encontramos a mais solitária das estrelas da galáxia.

Quando vasculhava imagens do bojo galáctico, a região quase esférica do núcleo da Via Láctea, o Dr. Christopher Britt e seus colegas da Texas Tech University esperavam encontrar muitas estrelas jovens. A região central da galáxia é uma zona rica em material para formação estelar. Mas mesmo essa região bastante habitada tem seus desertos.

Foi num desses cantos isolados, longe dos berçários estelares, que Britt et. al. se depararam com uma estrela bem jovem conhecida pelo desajeitado nome de CXOGBS J173643.8-282122 e o apelido de CX330. A descoberta não foi inédita: esse astro já havia sido detectado em 2009 pelo observatório de raios-x Chandra, da NASA. Observações subsequentes mostraram que esse objeto também emitia luz no espectro visível. Com tão pouca informação coletada, os cientistas não sabiam direito o que era o CXOGBS J173643.8-282122.

Para entender e reconhecer CX330, Britt e seus colegas buscaram imagens em infravermelho da mesma região, tomadas em 2010 pelo Wide-field Infrared Survey Explorer (WISE), outro observatório-satélite da NASA. Ao examinar os dados do WISE, os astrônomos perceberam que CX330 tinha bastante poeira aquecida ao seu redor e que esse aquecimento deveria ser resultado de uma explosão recente.

Para comprovar a hipótese de que CX330 era uma adolescente isolada de temperamento explosivo, os dados do WISE foram comparados com imagens captadas pelo Telescópio Espacial Spitzer em 2007. Outras medições também foram levadas em conta, como as feitas pelos telescópios terrestres SOAR, Magellan e Gemini.

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A mesma área da imagem anterior num zoom para destacar o intenso brilho durante o pico de atividade de CX330, em 2010-11. [Imagem: Brett e. al. (2016)]

Todas essas perspectivas permitiram a mensuração da intensidade luminosa da CX330. revelaram um quadro mais claro da CX330. Britt e seus colegas vão publicar os resultados de suas observações na edição de 11 de agosto da Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, mas o paper já está disponível na plataforma de pré-publicação arXiv.org.

Ficou claro que, nesse período de três anos, o brilho daquela estrela solitária havia aumentado algumas centenas de vezes. “Tentamos várias interpretações para isso”, explicou Britt ao Sci-News, “e a única que faz sentido é a que essa é uma estrela jovem formando-se no meio do nada.” Isso é estranho porque as estrelas costumam se formar em grandes nuvens de gás e poeira, em meio às nebulosas estelares. E no entanto CX330 está a centenas de anos-luz de uma zona de formação estelar. Se o sol estivesse numa região tão vazia, a maternidade mais próxima ficaria perto de Órion.

Estrelas assim tão isoladas são extremamente raras. Cerca de 10 são conhecidas, mas mesmo essas ficam mais próximas de áreas de formação de estrelas. A estrela mais parecida com a CX330 é FU Orionis, outra jovenzinha que também teve uma fase explosiva durante três meses entre 1936 e 1937 e cujo brilho vem caindo desde então.

A intensidade luminosa da CX330 também está em declínio desde o pico de atividade em 2010-2011, mas nem tanto. Esse apagamento mais lento indica que CX330 deve ser mais compacta, mais quente e bem mais massiva que FU Orionis e similares — e ainda pode estar crescendo pois deve ser capaz de lançar fluxos mais rápidos e mais distantes no seu entorno, atraindo mais poeira e gás.

Muito bem, mas como essa estrela nasceu e ficou tão isolada? Ninguém sabe ao certo. Uma possibilidade é que a CX330 tenha nascido num berçário de onde acabou sendo ejetada até sua presente posição num quarto escuro da Galáxia. Porém, isso parece improvável para os autores do estudo. Para eles, a estrela já teria perdido seu capuz de poeira e gás durante tamanho deslocamento, que teria sido mais longo que a idade da CX330, estimada em cerca de 1 milhão de anos. A origem dessa adolescente e solitária continua misteriosa.

Referência
rb2_large_gray25C.T. Britt et al. 2016. Discovery of a Long-Lived, High Amplitude Dusty Infrared Transient [Descoberta de um transiente longevo, com alta amplitude infravermelha e poeira]. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society 460 (3): 2822-2833; doi: 10.1093/mnras/stw1182 [a versão de pré-publicação encontra-se em  https://arxiv.org/abs/1605.05321]

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