O Universo nas últimas semanas

Na última semana de 2011, a colaboração Double Chooz, que estuda os antineutrinos do elétron emitidos pela usina nuclear francesa de Chooz e conta com participação brasileira, publicou online os resultados de sua medida do “ângulo de mistura θ13“, uma quantidade relacionada com o fenômeno chamado de oscilação, pelo qual os neutrinos de diferentes tipos podem se transformar em outros. O fato dos dados de Double Chooz, bem como de outros experimentos, o T2K e o MINOS, indicarem que esse ângulo e os demais são diferentes de zero é uma boa notícia, porque de acordo com a teoria isso permitirá aos físicos medirem outro parâmetro relacionado com a chamada “violação de carga-paridade”. Medir essa quantidade vai ajudar a explicar como a matéria se tornou diferente da antimatéria no início do universo e assim não foi aniquilada completamente.

O par de sondas Grail, da Nasa, começou a orbitar a Lua no fim de semana do réveillon. As sondas vão mapear o campo gravitacional da Lua com uma precisão que vai dar uma ideia da composição de seu interior. Seus também vão podem ajudar a entender porque a face que vemos da Lua tem um relevo suave enquanto o outro lado do satélite é montanhoso e testar a hipótese de que a Lua na verdade é fruto da colisão de dois satélites anteriores.

Em artigo na revista PNAS, pesquisadores confirmaram que a única amostra de quasicristal já encontrada na natureza deve ter origem extraterrestre. Sofia Moutinho, da Ciência Hoje, tem os detalhes.

Ainda no mundo dos minerais exóticos, um mineral descoberto primeiramente em uma amostra trazida da Lua por astronautas da Apolo 11, a tranquilitita, foi encontrada analisando rochas da Austrália com microscopia eletrônica. Os geólogos acreditam que o mineral deve certamente existir em outras partes do globo. As propriedades da tranquilitita permitem que se aplique nela um método para determinar a idade das rochas, baseado na lenta transformação de átomos de urânio em chumbo.

Um estudo de biomecânica publicado na Nature demonstrou com câmeras de alta velocidade e modelos matemáticos como uma cauda longa e flexível ajuda lagartos e robôs a cair e saltar agilmente, sem se desiquilibrar. O mesmo deve ter valido para dinossauros como o velociraptor. Veja o vídeo.

Em reportagem na Nature, Nicolas Jones destacada cinco experimentos de física tão insanamente difíceis e importantes quanto a busca por novas partículas elementares no LHC: 1) Detectar a composição atmosférica de exoplanetas já é possível para gigantes gasosos e super Terras usando os telescópios espaciais Hubble e Spitzer, e será possível para planetas do tamanho da Terra com o sucessor do Hubble, o James Webb. 2)Usar espectroscopia de altíssima precisar para buscar por diferenças na vibração de uma dupla de moléculas que são quase idênticas, cuja estrutura de uma é o espelho da outra pode revelar melhor como a força nuclear fraca distingue a esquerda da direita, o que vai ajudar a entender melhor tanto as forças fundamentais do universo, como o mistério de por que nos seres vivos só encontramos a versão canhota dessas moléculas. 3)Buscar por dimensões espaciais extras usando uma balança de torsão com precisão de bilionésimos de grau para medir desvios na força gravitacional em escala micrométrica. Até agora, experimentos de uma equipe da Universidade de Washington já verificaram que não existem dimensões extras maiores que 44 micrômetros. 4) Detectar ondas gravitacionais monitorando ao longo de dez anos os flashes de radiação que 20 pulsares emitem milhares de vezes a cada segundo. A ideia é procurar por desvios na frequência ultraprecisa desses pulsares causadas por ondas gravitacionais passando entre eles e a Terra, geradas por exemplo por pares de buracos negros gigantes em rota de colisão. 5) Redefinir o quilograma com base em uma constante fundamental da natureza, a constante de Planck, que físicos experimentais vêm medindo por dois métodos diferentes e chegando a resultados levemente diferentes.

Na mesma revista, Ron Cowen reporta como os teléscópios espaciais Corot e Kepler, famosos por suas descobertas de exoplanetas, também estão revolucionando o estudo do interior das estrelas por meio das ondas que propagam dentro delas e chegam a sua superfície e afetam seu brilho em uma parte em mil – a astrosismologia. Até agora, essas observações confirmam que as estrelas tem o tamanho esperado, mas a distribuição de suas massas é menor do que a teoria prevê. Observações do Kepler também permitiram examinar a evolução do interior de gigantes vermelhas, o tipo de estrela que o Sol deve se transformar daqui uns 5 bilhões de anos. Se a missão Kepler for estendida por mais alguns anos, será possível comparar os ciclos de atividade magnética do Sol com os de outras estrelas.

Também na Nature, um grupo de físicos descreve uma nova técnica para resfriar átomos presos em uma armadilha feita de raios laser entrecruzados, chamada de rede ótica. Diferente de outros métodos baseados em colisões aleatórias que removem átomos com maior energia, o novo método aplica uma série de modulações na luz laser e pode em princípio alcançar temperaturas abaixo do que é possível atualmente (menos que 10-12Kelvins)

Neutrinos mais rápidos que a luz cada vez mais difíceis de explicar

 

Rastro deixado por múon de alta energia nos detectores do observatório IceCube. Crédito: icecube.wisc.edu

Mais uma vez os neutrinos mais rápidos que a luz esbarraram com a física conhecida. E dessa vez a trombada foi feia, muito pior que das outras vezes. Uma nova análise do polêmico resultado do experimento OPERA, cujo anúncio em setembro deste ano deixou tanto o público quanto a comunidade dos físicos em estado de choque, confrontou as conclusões do experimento com princípios básicos do movimento das partículas elementares, tais como a conservação da energia e do momento, assim como os dados de diversos experimentos espalhados pelo mundo, que detectam os neutrinos criados na colisão dos raios cósmicos com átomos da atmosfera da Terra. A conclusão da análise foi que, mesmo se a teoria da relatividade de Einstein, que proíbe a existência de partículas mais rápidas que a luz, não for totalmente verdadeira, mas apenas uma boa aproximação da realidade, mesmo assim os neutrinos mais rápidos que a luz supostamente detectados pelo OPERA não deveriam existir.

O físico Ramanath Cowsik, da Universidade Washington, em Saint Louis, no Missouri (EUA), junto com seus colegas Shmuel Nussinov e Utpal Sarkar, descobriram que o problema com os neutrinos mais rápidos que a luz começa exatamente quando eles são formados. No polêmico experimento, esses neutrinos nascem na Suíça a partir de um feixe de prótons em um laboratório do CERN. Quando os prótons colidem com um alvo de carbono, parte da sua energia se transforma em partículas chamadas mésons, principalmente os do tipo chamado píons, que viajam por um túnel a vácuo guiadas por um campo magnético, até que em um dado momento essas partículas se transformam em múons (uma espécie de elétron gordo e de vida curta) e neutrinos do múon. Esses neutrinos seguem debaixo da terra por 730 km, atravessando os Alpes, até colidirem com os detectores do OPERA, instalados a 1.400 metros de profundidade, no Laboratório Nacional de Gran Sasso, próximo a Roma, na Itália. A questão toda é o fato desses neutrinos terem chegado em média 60 nanossegundos antes que a luz demoraria para percorrer o mesmo caminho.

Fora a possibilidade de que haja um erro desconhecido nessa medida, um erro tão sutil que mesmo depois de meses de checagem e rechecagem nenhum dos 160 físicos que trabalham no experimento o tenha conseguido identificar, a explicação mais simples proposta até a agora é a de que a teoria da relatividade de Einstein não seja exatamente correta. Assim como hoje sabemos que, embora extremamente úteis, as leis do movimento da teoria da mecânica clássica de Isaac Newton são apenas aproximações válidas em certas circunstâncias, derivadas das leis da teoria da relatividade, a própria teoria da relatividade seria a aproximação de uma teoria desconhecida.

Mesmo sem saber os detalhes dessa teoria desconhecida, os físicos podem calcular as consequências de se considerar a relatividade uma aproximação. O coração da relatividade é uma estrutura matemática chamada de simetria ou invariância de Lorentz. Essa simetria implica que as leis da física são as mesmas para observadores em movimento uniforme e que a velocidade da luz é a mesma para qualquer observador. A ideia é que a teoria desconhecida resultaria em uma pequena quebra nessa simetria. Einstein estaria errado, mas só um pouquinho. A medida do movimento superluminal dos neutrinos do OPERA, por exemplo, sugere que a invariância de Lorentz seja violada em aproximadamente uma parte em cem mil.

O que Cowsik e seus colegas fizeram foi calcular qual seria o efeito de uma violação da invariância de Lorentz na transformação dos píons em múons e neutrinos do múon. O cálculo deles é simples de fato, assumindo apenas coisas bem básicas como a conservação da energia e do momento linear. A conclusão, publicada em 24 de dezembro na revista Physical Review Letters (preprint), é que quanto mais os neutrinos viajam mais rápidos que a luz, mais tempo os píons demoram para se transformarem, e uma fração cada vez menor da energia dos píons é transferida aos neutrinos.

Eles calcularam que, se o tamanho da violação da invariância de Lorentz for mesmo a sugerida pelo resultado do OPERA, o tempo de vida dos píons seria seis vezes maior que o observado, além do que não seriam observados neutrinos superluminais com energias maiores 5 GeVs. Os neutrinos detectados pelo OPERA, porém, tinham energias em torno de 20 GeVs, o que mostra que o resultado experimental não é consistente com premissas da física ainda mais fundamentais que as da teoria da relatividade.

Além disso, o trio de físicos resolveu comparar seus cálculos para os píons com os dados da detecção de múons e neutrinos do múons produzidos a partir de píons originados na colisão de raios cósmicos com átomos da atmosfera. Em particular, compararam seus cálculos com resultados recentes do maior telescópio de neutrinos em atividade, o gigantesco IceCube, localizado no Pólo Sul. E o resultado foi que, se existe mesmo uma violação da invariância de Lorentz, ela não deve ser maior que uma parte em mil bilhões, isto é, pelo menos cem milhões de vezes menor que a violação que resultado do OPERA sugere.

Os cálculos deles também mostraram que a situação só piora se essa violação da invariância de Lorentz depender da energia do neutrino, o que deveria acontecer para compatibilizar a medida do OPERA com outra medida da velocidade dos neutrinos, feita em 1987. Naquele ano, o experimento japonês Kamiokande detectou os neutrinos vindos da explosão de uma estrela na Grande Nuvem de Magalhães, a 168 mil anos-luz daqui, a supernova 1987A, e verificou que os neutrinos não viajam mais rápidos que a luz (se a velocidade dos neutrinos fosse a medida pelo OPERA, as partículas teriam chegado quatro anos antes na Terra). A energia dos neutrinos da 1987A, porém, era mil vezes menor que a dos neutrinos do OPERA, o que abre a possibilidade de que a violação dependa da energia. Mas essa mesma dependência não permitiria que os neutrinos superluminais de alta energia se formassem, de acordo com os cálculos de Cowsik e colegas, o que novamente torna o resultado do OPERA inconsistente com as leis da física.

Essa não é a primeira demonstração de que os neutrinos superluminais não podem ser explicados por uma violação da invariância de Lorentz. Em um trabalho semelhante publicado em outubro na Physical Review Letters (preprint), Andrew Cohen e Sheldon Glashow, ambos da Universidade de Boston, EUA, demonstraram que neutrinos superluminais tenderiam a perder energia ao longo do caminho, emitindo pares de elétrons e pósitrons (a antipartícula do elétron), de maneira semelhante a geração da onda de choque produzida por um avião quando quebra a barreira do som. Pelos cálculos de Cohen e Glashow, o OPERA não deveria detectar neutrinos com energias superiores a 12 GeVs, sendo que de fato alguns dos neutrinos chegavam a ter energias maiores que 40 GeVs. Outro experimento em Gran Sasso, o ICARUS, buscou por sinais da emissão de elétrons e pósitrons e nada encontrou.

Ao que parece, uma violação simples da invariância de Lorentz está descartada para explicar as medidas do OPERA. Como Cowsik e colegas comentam em seu artigo, pode ser que a violação tenha uma dependência da energia com termos matemáticos que precisamente cancelem o efeito que eles descobriram, mas isso soa bastante improvável. Se a medida do OPERA for confirmada, a física talvez passe por uma grande revolução, que no entanto manterá a relatividade de Einstein intacta.

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P.S.: Pouco antes de publicar esse post encontrei este artigo interessante, em que os autores notam que todos os efeitos descritos acima que tornam o resultado do OPERA absurdo não existiriam se em vez da simetria de Lorentz ser quebrada, ela seja levemente deformada. Esse é um cenário teórico que alguns dos autores desse paper, os físicos Lee Smolin e Giovanni Amelino-Camelia vêm investigando há alguns anos, inclusive buscando por sinais de deformação na simetria de lorentz em observações de raios X, raios gama e raios cósmicos de altíssima energia vindos de explosões cósmicas extremas, até agora sem sucesso.

 

Referências:

Cowsik, R., Nussinov, S., & Sarkar, U. (2011). Superluminal Neutrinos at OPERA Confront Pion Decay Kinematics Physical Review Letters, 107 (25) DOI: 10.1103/PhysRevLett.107.251801

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